A última volta do parafuso

O escritor Henry James, no seu romance "A outra volta do parafuso", fala da tentação de testar limites. Nesse intento vai-se dando sempre uma volta a mais no parafuso. Até que se espana a rosca ou se espatifa o engenho.
O PT descobriu rápido demais que o governo não é uma vestal, mas uma cortesã velha de guerra que não perde viagem por pior que seja o cliente. Os mais radiantes brasileiros, hoje, não votaram em Lula. São FHC, os eleitores de Serra, a oposição de Lula, os rentistas e banqueiros.
Pedro Malan e Gustavo Franco estão entusiasmados. Perderam na política, mas venceram na ideologia e na economia. Ali no núcleo duro do aparelho do Estado, na fonte em que as onças bebem água, também tomaram conta de cabo a rabo. Administrativamente, seus homens de confiança estão com as alavancas na mão.
Sem o intuito de ofender, Malan e Armínio eram "meninos de recado do FMI". Ambos voavam por instrumento. O piloto automático era monitorado pelo FMI. Todavia, temos que reconhecer, ambos escolheram sua tripulação.
Um prefeito do interior de São Paulo comanda a equipe econômica do neopetismo. Sequer escolheu a sua equipe. Ficou com a criadagem de FHC.
De quebra trocou o corretor de um especulador internacional por um ex-banqueiro tucano. Serra dizia representar "a continuidade sem continuísmo". O neopetismo preferiu "a continuidade com continuísmo".
Não existe, até agora, governo. Lula tomou posse, porém não assumiu o comando. O que temos no Brasil, além da vaporosa esperança despertada na população crédula, é um melancólico ritual de vassalagem aos negócios do capital financeiro. Maria da Conceição Tavares insistia em que o cargo mais importante da República era o do presidente do Banco Central. FHC atuou como sátrapa do capital financeiro, com uma faixa presidencial no peitoral. Lula não deveria representar a mesma ópera bufa.
Pelo fio de esperança em que a plebe rude se dependura, lá na ponta esgarçada da linha, não aumentem mais os juros! Pela compaixão aos desempregados, não se dê mais uma única volta no parafuso monetário. Não se rendam ao humor dos operadores mimados, que fazem do presidente um títere movido por fios que o mercado manobra. Não é necessário, é um desastre completo.
Lula não tem deve espalhar migalhas para os pobres, enquanto os tubarões engolem mais de 70% da receita fiscal da União com taxas reais de juros que chegam a mais de duas vezes a média praticada nos países emergentes.
Lula não pode jogar a opinião pública, a exemplo de Collor e FHC, contra servidores públicos - civis e militares - como bodes expiatórios da fracassada década de 90. Lula não tem o direito de esconder da população, o real motivo da aceleração da "reforma da previdência", falsamente apresentada como " a reforma da previdência ou o caos". A aceleração da "reforma da previdência" consta do "memorando técnico de entendimentos" pactuado com o FMI; trata-se de uma exigência inegociável feita pelo FMI.
Falso dizer que o país quebra sem reformar a previdência. Mentira afirmar que não vai haver recurso para pagar as pensões e aposentadorias, daqui a dez anos. A verdade crua é que o orçamento da seguridade social é, sempre foi, mega-superavitário (quadro 1). Ademais, o custo previdenciário da União com ativos, aposentados e pensionistas não vem aumentando, mas diminuindo. Despencou de 51% em 1995 para 34% em 2002, em relação à receita corrente líquida. A razão desnuda do reformismo previdenciário é, isso sim, o negócio da década. R$200 bilhões na mira dos bancos. Com privatização parcial, num primeiro momento, mas total, daqui a vinte anos.
A puxada da taxa de juros para 26,5% no Copom, nem vai conter a inflação, nem vai dar credibilidade à equipe econõmica. Apenas vai dar mais velocidade ao crescimento da dívida pública interna e aumentar a inflação. As empresas estão extremamente endividadas e o aumento de juros vai repicar sobre os custos que serão transmitidos aos preços. Pallocci prepara o sepultamento precoce de Lula.
A alternativa brasileira, como demonstra Celso Furtado, é avançar para a "moratória negociada". O Brasil não suporta mais uma rolagem de títulos com prazo médio de vencimento de menos de três anos, com mais de um terço da dívida interna indexada a um câmbio neurastênico. O serviço anual da dívida em 2002, de quase R$ 124 bilhões, vai aumentar em 2003. Este é o verdadeiro e crucial problema, que precisa de coragem para ser enfrentado. Aí, recomenda Furtado, "é preciso coragem". Lula não tem o direito de ter medo perante os credores. Vargas e Juscelino a tiveram. O primeiro reviu todos os contratos da dívida pública. O segundo mandou o FMI à ponte que caiu.
Detenha-se a reforma tributária e previdenciária. Elas só fazem sentido depois de reduzido o pagamento dos juros. Até porque ninguém estaria falando em reformar a previdência e o sistema tributário se a carga fiscal não tivesse disparado. Em 1994 a carga fiscal foi de 28% do PIB. Hoje chega a 35%. Disparou, por quê? Não foi pelo "déficit" do orçamento da seguridade social, como já se viu no quadro 1. Mas por conta do endividamento explosivo e fora de controle. A reforma tributária - em ambiente recessivo - deve ser feita apenas para diminuir a carga. Não é o que se verá, caso a façamos sob pressão de juros assassinos, conforme o quadro 2.
O incremento da carga tributária nos últimos oito anos foi de 6,3% do PIB. Tal diferença foi apenas para atender a política monetária louca de hospício, que fez o pagamento de juros saltar de 2,3% do PIB em 1995, para 9,1% em 2002. É a mesma diferença de 6,3% do PIB. O que comprova a tese de que a pressão fiscal ocorreu única e exclusivamente para satisfazer a pressão monetária. Nada a ver com a Previdência Social. Muito menos com servidores civis e militares, que sempre pagaram a sua conta, que custam cada vez menos e agora são convocados a pagar a dos outros.
Lula deve botar a barba de molho nas três lições fundamentais de Maquiavel. O florentino dizia que "não se pode satisfazer honestamente os grandes sem injuriar o povo"; alertava que "quem chega ao principado com a ajuda dos grandes, mantém-se com mais dificuldade do que quem se torna príncipe com a ajuda do povo" e observava que "quando os grandes percebem que não podem resistir ao povo, começam a exaltar um deste e o tornam príncipe, para poder sob sua sombra desafogarem o apetite".

[Voltar]

www.guahyba.vet.br