Se fosse o Brizola, ele não faria isso

"Quero com isso [com a reforma previdenciária] fazer justiça. Até porque não tenho de pensar em quem já tem 50 anos".
Luiz Inácio Lula da Silva, na Associação Comercial de São Paulo
Joel e Pedro, estudantes de direito em Pernambuco, apaixonaram-se pelas ligas camponesas, no início dos anos sessenta, largaram o "partidão" e se incorporaram à utopia de Francisco Julião. Joel foi preso com garrafas de "coquetéis molotov" numa resistência de posseiros, pelos lados da Galiléia. Levado para o quartel da PM, no Recife, conheceu a filha de um fazendeiro rico, ainda na prisão, casou-se e tomou-se de um repentino discurso de direita.
Pedro, que chegou a integrar um acampamento de "futuros guerrilheiros" das ligas, em Minas Gerais, onde se destacou como um ardoroso puritano, também foi para o outro lado de uma hora para outra. Das cobranças radicais pulou para uma postura agressiva contra os sonhos revolucionários daqueles idos.
Esses personagens, com os quais convivi na minha juventude engajada, me vêm à lembrança a propósito do que está acontecendo em nossos dias, em meio à mais trágica das decepções políticas. Por onde quer que você olhe, a mesma desolação. Os sonhos de um resgate da dignidade nacional sucumbiram nesta tempestade de areia movediça. A cada hora, um petardo composto de perfídia e cinismo cai sobre nossa população pacata e de boa-fé.
A conversa seria outra
Fátima, minha companheira ponderada, demorou, mas também está perplexa. "Se fosse o Brizola, ele não faria isso" - observa. E não cansa mais de repetir: "Da violência nas cidades ao controle do País pelo FMI, não estaríamos passando por tanto vexame se tivessem ouvido o Brizola".
Quem conviveu por esses anos com o velho caudilho não tem dúvida: se tivesse em suas mãos, o Brasil procuraria seu próprio rumo, com todos os riscos. Isso eu posso dizer com toda certeza, sem medo de errar. Porque se é verdade que ele, matuto desconfiado e birrento, não soube expandir seu partido nem conseguiu escapar ao massacre orquestrado da mídia, é igualmente inegável que pode exibir, do alto dos seus 81 anos, uma história em que jamais se colocou contra o povo, jamais se rendeu aos poderosos, muito pelo contrário.
A soberania como base
Brizola sempre soube, como Getúlio, que uma nação cresce na medida em que conserve a soberania de suas instituições. E o Estado soberano não resiste ao primeiro sopro se não respeitar seus servidores públicos, cujas carreiras se confundem com a própria natureza das instituições.
Quando assumiu o governo do Estado do Rio de Janeiro, em 1983, procurou acomodar as limitações do erário às expectativas do funcionalismo: foi ele quem, pioneiramente, introduziu no serviço público o décimo-terceiro salário, até então privativo dos celetistas das empresas privadas.
Numa parceria com Darcy Ribeiro, aquele que melhor definiu a esquerda que a direita gosta, Brizola jogou todas as suas cartas na educação pública, através do ensino de tempo integral, um projeto audacioso que poderia oferecer uma verdadeira alternativa aos adolescentes pobres. Se os Cieps não tivessem sido sabotados, principalmente pelos petistas e pelas elites, não teríamos chegado ao clima de violência de nossos dias. E nem seria preciso apelar para cotas nas universidades públicas.
O Ciep era - e ainda é, apesar de tudo - o emblema da libertação do Brasil. Talvez seja por isso que os homens que agora desapontam seus próprios eleitores com essa capitulação arrivista sempre se posicionaram contra. Chico Alencar, quando presidente da Associação dos Moradores da Saenz Peña, na Tijuca, chegou a promover manifestações contra a construção do Ciep da Rua Heitor Beltrão, alegando que aquele espaço, do metrô, deveria ser destinado a mais uma praça no bairro.
E no complexo de favelas da Maré, onde Brizola implantou 5 Cieps para 5 mil alunos, os militantes do PT mobilizaram os pais contra o ensino de tempo integral, alegando que as crianças pobres precisavam de um horário para correr atrás de alguns trocados.
Um novo papel
Quando estive em Brasília no Congresso dos Municípios e na ida dos líderes dos servidores à Câmara Federal, tive a nítida explicação para a manobra que retirou Brizola do segundo turno nas eleições de 1989, favorecendo Lula e garantindo a vitória de Collor.
Os deputados petistas, que iludiram o funcionalismo até agora, trataram seus dirigentes aos gritos, quando estes foram procurá-los, no Espaço Zumbi, onde a bancada estava reunida para acertar o esquema da autonomia do Banco Central, ao gosto do sistema financeiro capitaneado pelo ex-presidente do Banco de Boston.
Com exceção de Luciana Genro, Lindemberg Farias e Babá, os outros parlamentares federais governistas, inclusive o Chico Alencar, só faltaram bater nos servidores. A afronta foi tal que, para autorizar a realização de um ato público num dos salões do Congresso, queriam cobrar das entidades R$ 2.800,00, a título de aluguel (?). Como esses toparam pagar, acabaram negando a cessão, alegando estarem todos os espaços ocupados.
Apesar das tentações do poder, que podem seduzir seus parlamentares, da presença de um deputado pedetista no ministério, Brizola age com prudência, mas com determinação, para preservar os compromissos históricos da esquerda com o povo, em especial com os aposentados e com os servidores públicos, que, golpeados, desmotivados e estigmatizados, deixarão o Estado e a Nação vulneráveis.
Se não se iludir mais uma vez (o desconfiado é sempre o mais fácil de ser enganado), Brizola poderá evitar o desespero de um povo que acreditava cegamente haver chegado sua hora. Diante da frustração generalizada, esse povo seria presa fácil da direita, sempre pronta a crescer nas costas da incompetência da esquerda. Sua história de vida e sua capacidade autocrítica, demonstrada na última convenção nacional do PDT, podem ser um referencial agregador, até porque seu carisma ainda exerce alguma influência sobre o metalúrgico.
Do que aprendi da vida e da dialética, o processo social é rigoroso em suas exigências. Estamos hoje diante de uma situação muito mais grave, porque, além dos encantos do poder, que servem por si como ferramentas de montagem de um rolo compressor, o governo capitulacionista ainda conta com os partidos que perderam a eleição, como o PSDB, PFL e PMDB, interessados na continuidade de FHC, assumida oficialmente, conforme carta ao FMI assinada pelos tzares Antônio Palocci e Henrique Meireles (veja íntegra no site do Ministério da Fazenda - http://www.tribunadaimprensa.com.br/redir.asp?link=http://www.fazenda.gov.br).
Durante esses anos todos, o PT empolgou os movimentos sociais, controlou os sindicatos e monopolizou os instrumentos de contestação. Ao optar pelo "mercado", frustrando seus eleitores, tem tudo para fazer o que nem o governo assumidamente neoliberal conseguiu fazer.
Não obstante, como seus eleitores históricos são politizados e alguns dos seus parlamentares permaneceram fiéis ao discurso de campanha, há um resíduo potencial de resistência que pode crescer e barrar a capitulação. Daí a importância do papel que Brizola, com sua biografia guerreira e amadurecida, pode jogar.

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