O abuso da propaganda que constrange o Legislativo

O abuso da propaganda que constrange o Legislativo
"Reconheço o direito dos companheiros de falar as bobagens que quiserem. Porém, quando a decisão é tomada pela maioria, todos têm que cumprir." Luiz Inácio Lula da Silva.
Conta Sebastião Nery, em seu famoso folclore político, que um eleitor de cabresto, ao receber o envelope fechado com a cédula dos candidatos indicados pelo "coronel", quis saber em quem estava votando. A resposta foi curta e grossa:
- O voto é secreto, rapaz.
Essa imagem me vem à cabeça ao contemplar a nova postura inquisitorial do partidão dos trabalhadores. Por estar no poder, de comum acordo com o FMI e com as elites empoleiradas no biônico Conselho Econômico e Social, o rolo compressor do príncipe operário esqueceu sua condição de "federação" de correntes e uma porção de votações ao longo de seus vinte anos de Parlamento.
Por isso, vai para a fogueira quem ousar votar à revelia do Palácio, quem quiser manter a coerência partidária, que levou a uma Ação de Inconstitucionalidade assinada juntamente com o PDT, o PC do B e o PSB contra a taxação dos inativos, quem reagir contra o uso indevido dos recursos públicos para propaganda de uma proposta que deveria ser discutida democraticamente pelo Congresso, com acesso de todas as posições à opinião pública e sem os constrangimentos ilegais decorrentes dessa pressão que corporifica a idéia de jogar a sociedade contra os aposentados e os servidores.
Governo constrange o Legislativo...
A sermos lógicos e a observarmos os direitos constitucionais, pilharemos o governo numa operação perigosa que põe em xeque a própria democracia. Está bem que Lula tenha negociado sua "governabilidade" em troca do endosso dos projetos de FHC. Esse desvio de conduta é politicamente um estelionato. Mas não há penas para estelionatos políticos no Brasil.
Aliás, não há penas para a imoralidade política. Isso não o exime, porém, da obrigação de respeitar o Poder Legislativo, ao qual só está se dirigindo depois de costurar um acordo com os governadores e obter o aval do tal conselho biônico, de legitimidade discutível, submetendo-o, de quebra, ao constrangimento de uma campanha mentirosa, na qual induz a sociedade a acreditar que estão fazendo reformas para o bem do Brasil, com o desconto dos aposentados e o aniquilamento de direitos dos servidores públicos.
Diante dos acordos com os governadores, o acerto com as elites e a campanha maciça em que chega a ponto de comparar suas peripécias com a situação dos escravos, o que poderá fazer o Congresso? Aos olhos da cidadania bombardeada pela propaganda indutora, financiada pelo erário, quem tentar uma única vírgula contra os desígnios do príncipe será visto como um inimigo da salvação da Pátria.
É esse constrangimento que caracteriza a ilegalidade da propaganda unilateral paga com o dinheiro público. Não se trata de proporcionar ao povo informações sobre uma matéria vencida, com o objetivo de levá-lo a assimilar uma nova realidade já deliberada. Não. O que testemunhamos é uma autêntica "operação sufoco", com todos os ingredientes que o cérebro mais perverso pode conceber.
Vou tentar me explicar melhor: o parágrafo 1º do Inciso XXI do Artigo 37 da Constituição Federal determina que "a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social". Este dispositivo é violado a partir do momento em que o governo usa dinheiro público para uma simples proposta, de caráter partidário, levada à mídia antes mesmo de sua formalização. O máximo que se poderia admitir seria a sua divulgação depois de votada, sancionada e transitada em julgado, com o objetivo de informar sobre sua aplicação.
O achincalhe legal é ainda mais ostensivo pelo próprio teor "abstrato" da propaganda paga com o nosso dinheiro. Em nenhum dos comerciais se diz que o escopo da proposta é taxar os aposentados, violar direitos adquiridos dos servidores com o aumento da idade e das regras para aposentadoria. O cidadão recebe simplesmente a seguinte dose de desinformação: ou se faz as "reformas" ou o Brasil vai para o brejo.
E quem pensa diferente? O que resta a um parlamentar que entende a questão de outra forma, embora seu mandato tenha sido outorgado pelo povo, tanto como o do presidente da República? A partir do momento em que os partidários de uma idéia podem se valer do Erário para jogar a opinião pública contra seus adversários, não seria da doutrina do direito assegurar o mesmo tempo e os mesmos instrumentos aos representantes do Poder Legislativo que precisarão explicar aos cidadãos suas razões?
.. E joga o povo contra o Judiciário
Se o PT vai obrigar seus parlamentares a votarem de olhos fechados no que o governo mandar, isso é problema interno do partido, que até então cultivava a diversidade de posições como de sua essência histórica. Mas daí a valer-se de uma propaganda oficial a serviço de uma proposta partidária é crime que deveria ser capitulado além da simples suspensão dos comerciais. O governo já cometeu o delito e será do bom direito puni-lo na forma do que dispuser a legislação ordinária pertinente.
Porque se cada vez que as facções governantes quiserem constranger o Poder Legislativo com a mobilização da sociedade usando dinheiro público, que é de todos e não apenas dos detentores do poder, é melhor fechar o Congresso.
O governo está demonstrando uma cínica ausência de escrúpulos e valores éticos, quando vem tratando os parlamentares como um bando de fisiológicos, para os quais acena com sinecuras ou com a perda delas, e faz questão de operar a partir do plenário biônico hegemonizado pelos grandes empresários, alguns dos quais, ironicamente, são caloteiros da Previdência.
Ao abafar as vozes discordantes no Parlamento, o Executivo está constrangendo o Judiciário, por extensão. Os juízes também estão sendo satanizados por um conjunto de insinuações adredemente urdidas. Não foi por acaso que o presidente Lula descarregou suspeitas sobre a "caixa-preta" do Judiciário quando tocava no maior trauma da sociedade - a violência. No mesmo diapasão, insiste em que os grandes "marajás" estão no Judiciário, deixando no ar a idéia de que qualquer decisão contra as violações da lei, já configuradas anteriormente no âmbito do STF, será adotada em causa própria.
Vê-se que, apesar de ter em seu primeiro escalão homens da tradição jurídica de Márcio Thomaz Bastos, o governo oPTou pelos mesmos métodos dos nazistas alemães e dos fascistas italianos para cristalizar uma espécie de ditadura popular. No nosso regime militar, o Parlamento só era acionado para legitimar o arbítrio. Mas havia pelo menos o escrúpulo de mostrar as unhas e deixar o povo de fora do espetáculo.
Agora, o governo mobiliza os cidadãos, usando cenas fictícias e atores contratados, para constranger o Congresso, induzindo-o à idéia de que as classes pobres vão para o paraíso se confiscarem onze por cento dos aposentados, trinta por cento das pensionistas e direitos essenciais dos servidores. Isso depois de anunciar um aumento de 1% nas aposentadorias do regime próprio do funcionalismo.
Com expediente tão desonesto, vai ocultando o seu maior delito: pagar sem auditar uma fortuna de juros de uma dívida com os banqueiros, à qual, ao contrário do seu discurso de campanha, atrelou todas as políticas públicas.

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