Déficit da previdência social: um discurso a ser desmontado

1. INTRODUÇÃO
Quando nos deparamos com manchetes alarmantes do tipo "Previdência tem o pior resultado do ano", "Déficit da Previdência sobe 57% no primeiro semestre", e que, segundo o Ministério da Previdência e Assistência Social, verificou-se um "déficit" de R$ 6,80 bilhões no primeiro semestre de 2002, 57,5% superior ao verificado no primeiro semestre de 2001, com R$31,6 bilhões arrecadados e desembolso com benefícios da ordem de R$ 38,4 bilhões, precisamos estar atentos para a armadilha que esse discurso encerra, percebendo o seu matiz ideológico e identificando aí não só os propósitos que se ocultam neste discurso oficial, absorvido despudoradamente por uma mídia incapaz de pensamento critico independente, bem como a manipulação escandalosa e falaciosa da linguagem usada para tratar dos dados relativos à seguridade social, confundindo deliberadamente, e quando conveniente, cifras referentes a receitas estritamente previdenciárias com gastos mais gerais de seguridade social. O discurso sobre o "crônico déficit" da Previdência Social nada mais é do que o discurso do "Mercado", essa entidade tão endeusada pelo modelo neoliberal, que tem como perspectiva, colocá-la no mercado, isto é, depois da desestatização de importantes setores estratégicos (Vale do Rio Doce, CSN, Embratel, etc; e o dinheiro, onde está?), o próximo passo é a privatização dessa mesma Previdência Social, projeto este desacelerado desde 1995, mas não esquecido, objetivando transferir renda potencial para um setor dominado por grandes grupos econômicos, com intuito de ampliar o mercado que, calcula-se, terá um incremento de 500% em 10 anos, movimentando mais de R$ 500 bilhões!
Se estes são os números inequívocos do fluxo de caixa do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que geram um "déficit" cujas causas são atribuídas, também, ao aumento do salário mínimo e ao represamento de benefícios decorrentes da greve dos servidores, o outro lado da notícia, que é tangenciado pelas autoridades e pouco divulgado pela mídia, é o que representa e o que origina tal desequilíbrio financeiro.
É preciso, portanto, não perder de vista o conceito de seguridade social, segundo a Constituição Federal de 19881, pelo qual a sociedade tem deveres para os cidadãos e responde pela seguridade que é financiada por ela, e não o conceito pretendido pelo neoliberalismo, de uma relação contratual, mero contrato bilateral de seguro, separando o que se trata de investimento social.
É neste contexto, então, que se deve analisar esta mentira estratégica apelidada de "déficit da Previdência", que encobre, descaradamente, a estratégia de vender à sociedade a idéia da necessidade da privatização da Previdência Social como fato inevitável e desconstruir o discurso oficial, identificando o "porquê" e o "como" esse mesmo discurso é proferido.
O "porquê" desse discurso, o seu conteúdo ideológico, nós o encontramos na doutrina do neoliberalismo e no programa do FMI e do Banco Mundial, preparando terreno para a privatização do sistema, e o "como", a operacionalização desse discurso, na manipulação da linguagem e dos dados de receita e despesa.
Finalmente, na realidade de um discurso manipulado e aceito de forma inconteste pelos mais poderosos veículos da mídia2, é preciso que o movimento sindical da categoria dos Auditores Fiscais da Previdência Social enfrente as "cinco dificuldades no escrever a verdade" a que se referia Brecht, e tenha a coragem de escrever a verdade, embora ela se encontre escamoteada em toda a parte, a inteligência de reconhecê-la, embora ela se mostre permanentemente disfarçada; entender da arte de manipulá-la como arma; a capacidade de escolher em que mãos será eficiente e ter a audácia de divulgá-la entre os escolhidos.

NOTAS
(1) O sistema de Seguridade Social foi profundamente alterado pela Constituição Federal de 1988, que estabeleceu que a seguridade é formada por previdência social, saúde e assistência social, definindo receitas próprias para o sistema e tendo por princípios; universalidade da cobertura e do atendimento, uniformidade e equivalência e serviços às populações rurais e urbanas, seletividade e distributividade, irredutibilidade dos benefícios, eqüidade da participação no custeio, diversidade da base de financiamento e gestão democrática.
"Apesar do caráter contributivo da Previdência Social, a Constituição não exige que os benefícios se restrinjam ao correspondente às contribuições sobre a folha de salários, como o discurso oficial faz acreditar. Pelo contrário, a previsão é de um modelo que comporta um conjunto de ações públicas e de direitos financiados por fontes diversificadas, e ainda suplementados pelo Tesouro".
A partir das políticas de previdência e assistência social, a sociedade brasileira dispõe de um programa de renda mínima calcado na concessão e manutenção dos benefícios rurais e no amparo a idosos e portadores de deficiência. Essa opção pela cidadania tem conseguido minimizar os efeitos de outras políticas de governo que concentram renda e riqueza, espalhando miséria"( in "Seguridade Social e Estado Mínimo" - publicação ANFIP/ FUNDAÇÃO ANFIP, junho 2002).
(2) Constate-se, por exemplo, a resposta da Revista Veja a uma pergunta formulada por uma diretora do SINDIFISP-SP, que solicitava informação sobre as fontes das informações veiculadas na página 40 da edição nº 26 do mês de julho de 2002("O Caixa da previdência, que convive com um déficit anual de 50 bilhões de reais..."):
"Agradecemos o interesse por VEJA.
As informações sobre o déficit da Previdência Social pública são fornecidas pelo Ministério da Previdência.
A Previdência Social paga aposentadoria de servidores Estadual, Federal e Municipal e da Iniciativa Privada.
Quando a previdência foi criada, há 77 anos, funcionava muito bem. O grosso da população vivia no campo e o trabalhador rural não recebia aposentadoria alguma. Até a década de 60 havia oito pessoas trabalhando - e contribuindo - para cada aposentado. O sistema começou a quebrar com a Constituição de 1988, quando muita gente que nunca tinha recolhido um tostão para a Previdência ganhou direito aos benefícios. O aumento da economia informal, que não recolhe impostos, e o envelhecimento da população agravaram o problema. A expectativa de vida média do brasileiro, que era de 43 anos no início do sistema, cresceu para 68 anos e a proporção entre o pessoal da ativa e os aposentados diminuiu drasticamente. Hoje há dois trabalhadores sustentando um aposentado. O saldo final é um déficit monstruoso. A Previdência é a principal distorção financeira, entre as muitas que existem no Estado. É por causa dessas distorções que o governo gasta uma quantia fabulosa de recursos pagando juros elevados nos seus títulos. Resultado: não sobra dinheiro para nada, nem para a saúde e a educação". Podemos ver nesta curta resposta toda a assimilação, sem críticas, do discurso catastrofista do governo, bem como o desconhecimento de fatos básicos ligados á seguridade social e das análises dos dados oferecidos por entidades não governamentais(p.ex;Revista de Seguridade Social-ANFIP,Revista Conexão-UNAFISCO, Boletim DIAP, Publicações DIEESE,etc.)

2. GLOBALIZAÇÃO E PREVIDÊNCIA SOCIAL
A expansão da economia mundializada e as repercussões que a mundialização1 acarretou na estabilidade econômica, na distribuição eqüitativa de renda, na preservação dos serviços públicos e no controle democrático da política de administração pública, constituem-se num dos maiores desafios a que foram submetidos os trabalhadores do mundo todo nos fins do século XX e início do século XXI.
Apesar de existirem algumas vantagens claras e potenciais da mundialização, ou globalização2, não se pode olvidar dos graves problemas que ela cria para os trabalhadores, sindicatos e instituições democráticas no mundo todo.
O neoliberalismo é o mais popular dos fenômenos da globalização, sua forma institucional e política mais visível. Consiste no enfraquecimento de importantes mecanismos nacionais e burocráticos das diferentes burguesias nacionais. Agora esses mecanismos de regulação e protecionismo são pouco a pouco desmantelados para dar lugar ao livre-mercado, a uma maior liberdade para o capital. Para tentar superar choques cada vez mais potentes, as regras mais profundas da acumulação precisam ser aplicadas sem cerimônia. A globalização se livra daquelas redes políticas de regulação que organizavam a exploração dos trabalhadores no pós-guerra.
Segundo o professor Luis Fernandes3, três são os pilares básicos do neoliberalismo:
A desestatização das forças produtivas nas economias nacionais, o que implica em reverter as nacionalizações efetuadas nos países capitalistas centrais e dependentes no pós-guerra e desmantelar as estruturas de propriedade estatal/coletiva que haviam sido erguidas no antigo "campo socialista".
A desregulamentação progressiva das atividades econômicas e sociais (incluindo as relações de trabalho), de forma a reduzir a interferência estatal e dar mais liberdade às forcas de mercado para elevar a eficiência.
A desuniversalização dos direitos e benefícios sociais que foram generalizados no pós-guerra com o advento dos Estados de bem-estar nos países capitalistas centrais, das experiências desenvolvimentistas nos países capitalistas dependentes, e dos regimes socialistas do leste europeu.
Esta política se reflete na crescente particularização dos direitos e benefícios sociais, revertendo padrões constituídos de seguridade social em favor da noção de "seguro social", no qual cada indivíduo investe na sua própria aposentadoria, programa de saúde, etc., e a ação estatal se dirige apenas para o setor marginalizado da população.
Outro fato notório é a crescente e penetrante influência das instituições mundiais tais como o Fundo Monetário Internacional -FMI, o Banco Mundial4 e a Organização Mundial do Comércio -OMC, que parecem não levar em conta os interesses dos cidadãos comuns e grupos da sociedade civil, nem dos sindicatos.
A despeito do papel que essas instituições tiveram após a 2ª Guerra Mundial, na vigência do modelo de crescimento baseado no pacto de classes que sustentou o Estado de Bem-Estar Social nos países desenvolvidos, com a crise de exaustão do padrão capitalista monopolista na década de 70 e o fenômeno de mundialização, essas instituições assumiram funções que nunca lhes foram propostas, notadamente a de estabelecer direta ou indiretamente prioridades econômicas e políticas nacionais para países que atravessam transições políticas e econômicas.
Como conseqüência da crescente integração econômica e da desestabilização econômica a ela relacionada, um número crescente de países, ricos e pobres, está obrigado a depender das decisões e políticas dessas instituições mundiais, que têm um poder muito grande de afetar a política de administração pública e a vida da população de mais de 180 países.
Com poucas exceções, os programas de reformas econômicas propostos pelo FMI ou pelo Banco Mundial, como condição de liberação de empréstimos e negociações de dívidas dos países subdesenvolvidos, determinam ajustes econômicos e sociais conforme a lógica neoliberal e exigem que esses países privatizem os serviços públicos, desregulamentem direitos sociais, flexibilizem direitos trabalhistas e adotem políticas de livre comércio, como condições de ajuda financeira, o que causa tremenda repercussão na sociedade, com desemprego, cortes de investimentos sociais e perdas de direitos trabalhistas e sociais e desestruturação da rede de proteção social do Estado. Nos países que não têm uma rede de seguridade social ou a tem insuficiente, esses transtornos tornam-se mais dramáticos ainda5.
Contudo, para a doutrina neoliberal, é a própria seguridade social6 nestes países uma das causas da crise, por inibir a eficiência econômica e o livre desenvolvimento do mercado e, por isso mesmo, deve ser mudada, reformada (=privatizada), pregando que a cobertura dos riscos sociais deve estar sob a responsabilidade de cada indivíduo, desligando o Estado de tal responsabilidade e atacando o princípio da solidariedade.
A base teórica essencial da receita neoliberal pauta-se por uma forte desregulação social e econômica, com significativo enfraquecimento do papel do Estado como elemento catalisador e orientador das políticas econômicas, gerando uma situação real de livre concorrência de mercado e de acumulação privada de capital.
É na capacidade de os países hegemônicos minar as resistências populares, desmantelar os benefícios sociais conquistados e converter os Estados em instrumentos de expansão monetária, que reside o fator de sucesso do programa neoliberal, mais do que as mudanças tecnológicas, os novos sistemas de comunicação ou os imperativos de mercado mundial, como afirma James Patras7.
De fato, nos últimos dezessete anos, o Banco Mundial concedeu um total de 70 empréstimos para 36 países, que têm sido inteira ou parcialmente utilizados para financiar a reforma previdenciária, sendo que de um total de 7,5 bilhões de dólares, 3,4 bilhões foram emprestados para a reforma do sistema de pensões.
Isto é conseqüência do projeto global codificado com precisão num relatório do Banco Mundial (Averting the Old Age: Policies to Protect the Old and Promote Growth, 1994), que sistematizou as políticas de reformas estruturais que vinham sido adotadas e deu as bases dos modelos implantados em 11 países, dos quais oito da América Latina e três na Europa do Leste, que têm em comum a introdução do setor privado na administração dos Fundos de Pensões sob o regime financeiro de Capitalização Plena Individual (CPI), mas que diferem em relação ao modo com que substituem o regime de repartição então existente, pela capitalização em contas individuais e na definição dos benefícios.
Este modelo do BIRD de reforma estrutural8 propõe um modelo assentado sobre três pilares. Primeiro pilar, obrigatório: um sistema público de assistência, financiado por impostos, e encarregado de assegurar uma quantia mínima na velhice, fixada num valor baixo (para o Brasil, em torno de três salários mínimos). Segundo pilar, obrigatório: sistema de poupanças individuais financiadas por contribuições obrigatórias e geridas por instituições privadas à escolha do assalariado. Terceiro pilar, facultativo: poupança individual privada, para complementar os outros dois pilares. Estes três pilares representam, na verdade, um compromisso não equilibrado que prioriza a aposentadoria por capitalização individual (o segundo pilar obrigatório) em relação ao sistema público de previdência, aniquilando o conceito de regime de repartição, base de solidariedade entre gerações, entre assalariados ativos e aposentados, por entender que os mesmos apresentam sérios defeitos e já não cumprem mais os objetivos a que estavam destinados a promover.
Quanto ao processo da reforma, o BIRD o define assim: "Como devem os países iniciar este processo? E como podem efetuar a transição aqueles países que já tenham grandes pilares públicos? As metas finais são as mesmas para todos, mas o caminho a seguir e o tempo necessário dependerão das circunstâncias de cada país".
O que o Banco Mundial assegura no citado relatório, é que o ideal seria abrir espaço ao papel dominante das finanças nos regimes de aposentadoria, porque beneficiariam não só os aposentados como também incrementariam a poupança e o acúmulo de capitais, promovendo o desenvolvimento econômico9.
Segundo um estudo intitulado "Um comentário crítico sobre as propostas do Banco Mundial", da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Cambridge, Reino Unido, "a afirmativa do Banco Mundial de que há uma relação inequívoca e positiva entre o desenvolvimento do mercado de capitais e o crescimento econômico deve ser considerada com certo ceticismo (...) a análise tem mostrado que não apenas o plano de aposentadoria proposto pelo Banco Mundial tem falhas no que se refere à política social, senão também que sem dúvidas está longe de intensificar o crescimento econômico..."
Afirma-se também, nesse estudo, que os elos da cadeia de causalidade que unem os fundos de pensão com a expansão do mercado de capitais e este com o crescimento econômico, podem ser severamente questionados, tanto em termos teóricos quanto empíricos.
Todavia, o Relatório do Banco Mundial elogia a reforma chilena iniciada no princípio da década de 1980, com seu regime de capitalização individual obrigatório, gerido pela iniciativa privada, destacando-o como modelo a ser seguido pelos demais países10.
Este modelo, portanto, não se preocupa com a incerteza em torno dos futuros níveis das aposentadorias e pensões, porquanto dependentes das oscilações do mercado de capitais e desconhece também as incidências de fatores de riscos, tais como pobreza, desemprego de longa duração, invalidez e doença, sobre o as cotizações individuais que diminuirão drasticamente o nível das prestações futuras.
A reforma estrutural, nos moldes preconizados pelo Banco Mundial, não foi implementada ainda no Brasil devido aos altos custos financeiros necessários para assegurar a transição dos regimes, cerca de 202% do PIB11, e por não estarem presentes as condições políticas para tanto. Ressalte-se que o Brasil é, não só um dos pioneiros como apresenta um dos melhores indicadores de seguridade social na América Latina, sendo o sistema considerado um dos principais condicionantes da estabilidade social e dinamismo econômico do país12.
Previdência não se faz de uma hora para outra. Prova disso é o que ocorreu na Argentina, que em 1994 privatizou parcialmente seu sistema de Seguridade Social, numa reforma desastrosa e hoje o déficit previdenciário é quase idêntico ao déficit público13 do país por conta do custo de transição. As transições muito rápidas são arriscadas e têm custo muito elevado, mas na Argentina essa decisão fatal foi tomada com amplo apoio do Banco Mundial14.
Em contrapartida ao modelo do Banco Mundial há o chamado modelo europeu de proteção social, baseado em princípios pregados pela Organização Internacional do Trabalho - OIT e pela Associação Internacional de Seguridade Social - AISS, que preconiza as reformas não estruturais, que operam principalmente dentro dos sistemas gerais de seguridade social dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE.
Os especialistas definem estas reformas não estruturais com base em sete características principais15:
- redução das prestações gerais ou específicas, como forma de compatibilizar os custos crescentes com redução da relação de dependência. Em geral, atingem as aposentadorias de mais altos valores;
- modificação na fórmula para o cálculo das prestações, geralmente aumentando os anos necessários para a aposentadoria;
- aumento da idade de aposentadoria, em combinação com aposentadoria parcial, antecipada;
- reajuste das prestações pelo índice do custo de vida ou outros índices;
- aumento das alíquotas de contribuição, geralmente de um modo progressivo;
- igualdade de tratamento entre homens e mulheres;
- aumento dos regimes complementares nos sistemas de seguridade social.
Em geral, são reformas implantadas progressivamente, a médio ou longo prazo (por exemplo, na Alemanha, o processo está previsto até 2030), ou de modo consensual, através de um pacto entre diversos setores sociais (por exemplo, na Espanha, o Pacto de Toledo).
Esse é o modelo que vem sendo adotado no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988 e que se consubstanciou na Reforma da Previdência materializada na Emenda Constitucional nº 20 de 15 de dezembro de 1998 e na legislação regulamentadora posterior, principalmente nas Leis nº 9.783 de 28 de janeiro de 1999 e nº 9.876, de 26 de novembro de 1999.
A reforma não estrutural introduzida no Brasil provocou um deslocamento do fator trabalho (tempo de serviço) para o fator pagamento (tempo de contribuição) como um dos elementos determinantes da aposentadoria, com fundamento na alteração constitucional que previu um regime previdenciário de base contributiva e atuarial (esta mudança significativa no regime previdenciário existente trouxe de imediato dificuldades para aqueles segurados que se encontrem desempregados ou exerçam trabalhos descontínuos, bem como aos trabalhadores no mercado informal).
Outro marco característico dessa reforma empreendida em 1998/1999 é o fator previdenciário, verdadeira espinha dorsal da reforma, que substituiu a idade mínima para aposentadoria, não aprovada pelo Congresso, e que se pretende seja um coeficiente atuarial que busca devolver ao segurado as poupanças acumuladas, distribuídas ao longo da sua vida de aposentado, baseado na chamada contabilização escritural ou capitalização virtual16(na verdade, o fator previdenciário representa um redutor de até 30% do valor da aposentadoria calculada na sistemática anterior, e obriga a todos trabalharem por mais tempo para garantir o mesmo nível de aposentadoria da lei anterior).
Assim, na terminologia do documento do Banco Mundial, o sistema de apoio à
velhice no Brasil tem um primeiro pilar grande, compulsório, administrado pelo Estado e pago na medida em que é usado (repartição mais contabilização escritural), que consiste no Regime Geral de Previdência Social - RGPS e do Regime Jurídico Único - RJU e de um terceiro pilar relativamente menor, voluntário, com financiamento e administração privados, que visam a suplementar os benefícios do RGPS, dominado pelos fundos de pensões das empresas públicas, supervisionado pela Secretaria de Previdência Complementar - SPC.
Não temos ainda um segundo pilar, isto é, um componente financiado compulsoriamente, com administração privada, como a maioria dos países latino-americanos, embora países com um terceiro pilar grande, como os Estados Unidos também não tenham esquemas nacionais privados financiados compulsoriamente. Todavia, depois da onda de reformas da década de 1990, na América Latina o Brasil é o único país em que prevalece um sistema de seguridade social baseado num primeiro pilar grande, nenhum segundo pilar e um terceiro pilar relativamente insignificante. Analisando essa reforma introduzida no Brasil, o Banco Mundial, em relatório17 produzido em junho de 2000, assim se manifestou:

"Os avanços conseguidos"
41. Os obstáculos à reforma são bem conhecidos e formidáveis, nas suas dimensões legislativa, judiciária e executiva. Apesar dessas barreiras, o Governo Federal vem procurando ativamente formas de alcançá-la desde o início de 1997. Mesmo em meio às eleições nacionais de 1998-que nunca são um período propício para que os governos negociem o contrato social com os eleitores-o Governo Federal manteve o ímpeto reformista. As reformas constitucionais foram aprovadas em novembro de 1998 e outras medidas-especialmente o aumento das contribuições dos participantes do RJU-foram tentadas em 1999. As principais características das reformas são:
- RGPS: Pequeno alívio fiscal a curto prazo, por meio do aumento dos requisitos de elegibilidade mas substanciais vantagens fiscais a médio e longo prazo graças à nova fórmula de benefícios que reduz as taxas de substituição e alonga o período de referência para o cálculo das pensões; a introdução da fórmula de benefícios também constitui um sinal claro de que o governo deseja firmemente usar o espaço criado pelas emendas constitucionais anteriores.
- RJU: Alívio fiscal relativamente modesto graças aos maiores requisitos de elegibilidade, principalmente um período mínimo de serviço público e tempo de serviço com base no qual ocorre a aposentadoria e uma idade de aposentadoria que aumenta gradualmente; a principal mudança no sistema é uma cláusula segundo a qual a contribuição dos empregados aumentará automaticamente se o déficit nas pensões ultrapassar 12% das receitas líquidas correntes em qualquer nível do governo.
- SCP: Pode haver avanço substancial se forem implementadas as normas que marcam uma passagem para os planos de contribuição definida e se entidades não empresariais (tais como grupos profissionais) puderem estabelecer fundos de pensão fechados.

As mudanças no futuro42.
Os principais desafios são reduzir a generosidade tanto das pensões do RJU, ao mesmo tempo em que se mantém uma rede de segurança, reduzir as diferenças entre as pensões do RGPS e do RJU e estimular o crescimento sustentável dos planos financiados mediante desbastamento das pensões do RGPS e do RJU (não financiadas) e o fortalecimento da regulamentação A reforma de um sistema previdenciário complicado como o brasileiro sob as pressões fiscais, administrativas e políticas que enfrenta devem ser vistas como um processo gradual, com o sequenciamento determinado tanto por considerações estratégicas quanto táticas. A Tabela 1 apresenta os passos que seriam coerentes e incoerentes com as metas a longo prazo de uma previdência social sustentável, eficiente e justa no Brasil. A Tabela 1 também resume essas metas. Os passos coerentes com essas metas seriam:
- Redução dos déficits fiscais do RJU: As principais reformas necessárias são a redução das taxas legais de reposição dos 100% atuais, por razões fiscais e de equidade, e o aumento do período de referência do último salário para todo o período de trabalho; ambos requerem emenda da Constituição, cuja urgência pode ser melhor entendida pela revelação dos desequilíbrios por meio de auditorias atuariais dos RJU federal e estaduais e abertura de discussões (ver detalhes na Tabela II). Fazer com que os aposentados contribuam à mesma taxa que os trabalhadores ativos ajuda nas áreas fiscal, da equidade e da eficiência mas não deve ser considerada a medida essencial para restabelecer o equilíbrio.
- Controlar o crescimento dos déficits do RGPS e melhorar a redistribuição:
A principal prioridade deveria ser o fortalecimento administrativo do Ministério da Previdência Social, especialmente do INSS. A primeira reforma estrutural necessária é uma idade de aposentadoria de pelo menos 60 anos, (o que requer emenda constitucional). As vantagens fiscais e de eficiência da mudança na fórmula de benefício do programa de aposentadoria por tempo de serviço depende essencialmente da capacidade administrativa do governo, para evitar vazamentos para outros programas, especialmente de aposentadoria por incapacitação e por idade. Outras medidas ligadas à implementação tem a ver com a manutenção do programa de pensões do programa de aposentadoria por idade na zona rural, mas aperfeiçoar a sua administração para reduzir fraude (ver detalhes na Tabela 3).
- Aumentar a cobertura do fundo de pensões: As principais reformas necessárias são melhor supervisão dos planos patrocinados pelos empregadores e um tratamento fiscal mais amistoso das contas individuais de aposentadoria (ver detalhes na Tabela 4); criação dos planos patrocinados pelos empregadores com normas similares às que prevalecem no setor privado, embora isso só deva ocorrer depois da mudança das normas atuais do RJU -- por meio de negociações com o funcionalismo público, precedidas por comunicações estratégicas para informar o eleitorado dos benefícios da reforma da previdência social (ver detalhes na Tabela 5). 38.
As reformas do RJU deveriam ter prioridade em relação a novas mudanças na estrutura. Indubitavelmente, a reforma do RJU será politicamente difícil.
Para facilitar essas reformas, os efeitos adversos iníquos que reformas adicionais do RGPS teriam se não ocorrerem reduções na generosidade das pensões do RJU deveriam ser divulgadas amplamente para gerar apoio político para a reforma do RJU. A criação de fundos estaduais de pensão ou de um componente financiado nas pensões dos funcionários públicos federais podem constituir elementos facilitadores da reforma da RJU e torná-la politicamente aceitável, mas- tendo em vista que todos os sistemas de pensão já apresentam déficit, mesmo com as altas taxas de contribuição-não constituem per se uma estratégia viável para a reforma. Há poucas razões convincentes para vender bens do governo financiados pelos contribuintes a fim de pagar pensões altas e insustentáveis a um grupo relativamente pequeno de funcionários públicos privilegiados, depois de ter reduzido as pensões de outros trabalhadores semelhantes que trabalham para o setor privado ".
No mesmo relatório, o Banco Mundial ainda proclama: "O ônus fiscal das pensões públicas e o fosso crescente entre as pensões do RGPS e do RJU devem ser divulgados por meio de uma campanha estratégica de comunicações, a fim de gerar apoio para a continuação das reformas entre aqueles que ganhariam mais com elas - os jovens, o setor privado e os pobres". (grifamos) Mais recentemente, em comentário sobre o mencionado relatório, encontramos no informativo Em Breve,nº 06, junho de 2002 (no site http://www.obancomundial.org/) a afirmativa de que o Brasil não tem condições de sustentar o seu sistema de seguridade social, devido a desequilíbrios fiscais insustentáveis, gerados pelos crescentes déficits do RGPS e do RJU, que totalizaram, em 2001,respectivamente 1% e 2,1% do PIB brasileiro.
Também na mesma linha, o Ministro da Previdência Social afirmou que o "déficit" do RGPS para 2002, inicialmente previsto em R$ 16 bilhões, deverá ficar em torno de R$ 17 bilhões, entre 1,26% e 1,28%do PIB, enquanto o "rombo" no RJU deverá ser de R$ 53,4 bilhões, correspondentes a um acréscimo de 10% em relação ao ano passado.(Jornal "O Estado de São Paulo". Edição de domingo, 18 de agosto de 2002).
A Previdência Social tem uma dupla dimensão: uma dimensão social e uma dimensão fiscal, e as duas não podem ser tratadas separadamente. Mesmo o aspecto fiscal da previdência só tem sentido quando avaliado dentro do conjunto das ações fiscais (e arrecadação e gasto) do setor público.
A Previdência Social é um entre vários programas geridos pelo setor público e só pode ser compreendida e analisada a partir deste enfoque. Se faz sentido contrapor os custos e benefícios sociais dos programas previdenciários aos custos e benefícios dos demais programas do setor público, não faz sentido fazer uma discussão isolada do déficit da previdência - até porque não há nenhum motivo para que os benefícios previdenciários sejam financiados exclusivamente por contribuições sobre a folha salarial.
As alterações feitas na Previdência Social no Brasil são apenas o inicio de um processo de transição. Nesta transição, um dos objetivos do atual governo é a mobilização de poupanças, através de transferência de recursos canalizados pela Previdência Publica para empresas privadas, especialmente aquelas vinculadas ao sistema financeiro. Isto sugere a existência futura de uma segunda geração de reformas.
A questão que se coloca, então, é essa: Quem se beneficia com a criação de contas de capitalização individual?
O INSS não poderá se transformar numa gigantesca corretora de ações para 40 milhões de clientes, a maioria dos quais terá contas de montante bastante pequeno. Os indivíduos deverão optar por um dentre uma lista de fundos de investimentos privados, o que implica em enormes comissões para as administradoras desses fundos. As companhias de seguros estão interessadas no mercado. O patronato procura de maneira sistemática reduzir o custo salarial por meio de redução/ supressão de contribuições e está igualmente interessado em desenvolver uma nova fórmula de associação capital-trabalho que forneceria, ainda por cima, uma fonte cativa de financiamento. Quanto ao governo, toma para si o objetivo do bloqueio até mesmo um recuo nos descontos obrigatórios claramente inscrito na lógica de austeridade do pacote de estabilidade orçamentária do FMI e a reforma é essencialmente um alinhamento com as exigências do sistema financeiro.

NOTAS
(1) A GLOBALIZAÇÃO ou MUNDIALIZAÇÃO é um ciclo histórico que se pode qualificar como uma segunda revolução capitalista caracterizada por uma dinâmica globalizadora e pela revolução da informação, inaugurada temporalmente com a queda do Muro de Berlim (novembro 1989) e com a invenção da World Wide Web (www) no mesmo ano, juntamente com a liberalização dos movimentos de capitais na Europa desde janeiro de 1990 e pela desaparição da União Soviética (dezembro 1991). Esse processo está sendo dirigido, através das fronteiras nacionais, pelo livre fluxo dos "quatros Is": indústria, investimento, indivíduos e informação. Na Reunião da Cúpula de Davos do Fórum Econômico Mundial, em fevereiro de 1993 o organizador, Klaus Schwab, deu esta definição: "Em Davos o pensamento global é o dominante. Não é, por exemplo, o caso da Organização das Nações Unidas, aonde se expressam as diferentes mentalidades nacionais. Aqui se pensa em termos globais". Posteriormente em 1994 o Acordo da Rodada Uruguai foi firmado em Marrakesh dando origem à Organização Mundial do Comércio (OMC), marco da mundialização. "A mundialização é mais que a extensão a nível mundial das novas tecnologias, da produção industrial e das comunicações. Praticamente todas as economias estão vinculadas umas as outras, mas isto não significa que todas economias estejam caminhando á uma condição de integração igualitária, definitiva e universal. De fato de a mundialização pode acentuar o desequilíbrio da evolução, por exemplo, aumentando a dependência de um país em desenvolvimento do capital procedente de certos países industrializados. A mundialização não conduz à homogeneidade. São, com efeito, as diferenças entre lugares, nações e regiões o que atrai o capital ou a produção de um lugar a outro (...) A mundialização está associada a empresas multinacionais desraigadas que dão prioridade ao lucro (valor do acionista) às expensas dos custos socais e da lealdade nacional" in "La Seguridad social en el próximo siglo: influencia demográfica y mundialización". D. Hoskins y W. McGillivray, AISS, 1999.
(2) "Há duas grandes correntes de pensamentos quanto à natureza da globalização. A primeira, em geral da ala direita neoliberal, considera a globalização como resultado de 'irresistíveis forças tecnológicas, atraindo todas as partes do globo para uma única economia global'. Argumentam que esse processo em direção a uma" aldeia global "beneficiará a todos os que concordarem em jogar pelas novas regras, sendo excluídos do desenvolvimento e do crescimento econômico aqueles que resistirem". A segunda corrente, geralmente da ala esquerda progressista, considera que o discurso sobre 'globalização' pretende, sobretudo, assustar os governos, forçando-os a aceitar a hegemonia neoliberal. Na verdade, esse ponto de vista considera que há poucas novidades na globalização, que nada mais é do que 'um mero imperialismo com outro disfarce' "in" A globalização neoliberal e seu impacto no emprego e desenvolvimento tecnológico: construindo uma resposta do movimento sindical ". Ravi Naidoo. Emprego e desenvolvimento tecnológico: processos de integração regional. DIEESE, 1999. Pode-se dizer então que a globalização é um processo de integração das economias mundiais, intrinsecamente relacionado com a flexibilização dos movimentos de mercadorias, capitais e pessoas entre países. Nesse sentido, e dentro de uma visão histórica mais ampla, a globalização pode ser entendida como uma conseqüência natural do desenvolvimento capitalista, sempre à busca da expansão de mercados consumidores e da produção em larga escala. Em decorrência, a globalização não é um processo "inventado" pelo século XX, como faz crer o senso comum. Já no século XVI, o capitalismo, ávido por novos mercados, lançou-se ao mar e descobriu o "novo mundo". A partir daquele período, a história dos povos tem sido a da busca de internacionalização e de aproximação entre os países, seja mediante o relacionamento metrópole-colônia, seja nas formas mais modernas e democráticas de cooperação político-econômica. Contudo, foi a partir do pós-guerra que o mundo desenvolveu as condições necessárias para que "globalização" se tornasse a palavra-chave dos anos 90. Pela ótica econômica, houve a expansão das empresas multinacionais que, mediante a utilização do mecanismo do investimento estrangeiro direto, acabaram por padronizar produtos, consumidores e práticas administrativas por todos os países onde operaram. Pelo lado tecnológico, houve a redução do custo dos transportes e da comunicação, fator essencial para a obtenção de mercados financeiros integrados ou, mais que isso, mercados financeiros ininterruptamente on-line. Dentro desse contexto, o processo de internacionalização atingiu, na presente década, seu mais alto grau de sofisticação e passou a gozar de um caráter de irreversibilidade. No entanto, o mais espantoso é a velocidade com que o processo atingiu a vida do cidadão comum: viaja-se a lugares distantes do globo, consomem-se produtos importados, pluga-se à Internet e realizam-se negócios internacionais, como nunca antes foi sequer imaginado ser possível. Mais importante, ainda, é notar que o processo não atinge os agentes econômicos de forma homogênea. Muito pelo contrário, alguns grupos adaptam-se mais facilmente e beneficiam-se de forma imediata da globalização. Outros, no entanto, podem acabar com sua posição relativa piorada e sofrem um alto custo de adaptação à "nova ordem econômica internacional". Essa dicotomia leva a duas visões antagônicas do processo de globalização. Os otimistas consideram que a integração econômica gera, inevitavelmente, maiores produtividade e bem-estar social. A razão para essa melhoria no padrão de vida deve-se à melhor divisão internacional do trabalho, isto é, cada país especializa-se na produção dos bens nos quais possui vantagem comparativa. Além disso, a globalização ainda permite que os fatores de produção possam mover-se em direção às melhores taxas de remuneração (especialmente, juros e salários), oferecendo um incentivo aos projetos ou aos indivíduos que produzem maior retorno econômico. Por outro lado, há a corrente pessimista, que vê na globalização uma escalada rumo à competição predatória, ou seja, os países passariam a abrir mão do controle de seus próprios instrumentos de governabilidade e soberania, com o objetivo de alcançarem maior competitividade internacional. O que ocorreria seria um "nivelamento por baixo", com os países reduzindo salários, impostos, benefícios sociais e controles ambientais para tornarem-se mais competitivos. Além disso, a globalização poderia aumentar a distância socioeconômica entre países ricos e pobre. Isto é, aquelas nações que não se engajassem na internacionalização poderiam estar comprometendo o seu desenvolvimento a longo prazo, pois não desfrutariam os benefícios dos mercados globalizados. Por último, ainda há o temor, especialmente vivido por vários países em desenvolvimento, de que os mercados integrados possam globalizar as crises econômicas locais, como sugere o recente exemplo da queda das bolsas asiáticas.
(3)" Globalização e Agenda Neoliberal" - Luis Fernandes- UFRJ - Edição CES.
(4)O Banco Mundial é o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), criado junto com o Fundo Monetário Internacional, após a II Guerra Mundial.
(5) Segundo dados de 1999 da Organização Internacional do Trabalho-OIT, o quadro de pobreza e exclusão na América Latina era o seguinte:
- 218 milhões de pessoas sem Previdência Social
- 140 milhões sem cobertura de saúde
- 121 milhões "demasiados pobres"
- 117 milhões de camponeses pobres
- 107 milhões morando em zonas remotas
(6) Estranhamente, esquecem-se que a rede de Seguridade Social dos Estados Unidos da América do Norte é o maior programa de transferência de renda do mundo, pagando US$ 334,4 bilhões em benefícios para trabalhadores aposentados e suas famílias e arrecadando US$ 396,4 bilhões em contribuições. Mais de 90% da força de trabalho (cerca de 151 milhões de trabalhadores) está coberta pelo sistema e paga contribuições, enquanto mais de 39,7 milhões recebem benefícios, sendo que em 64% dos lares com pelo menos um morador com mais de 65 anos, mais da metade dos rendimentos provêm da seguridade social.
O programa de Seguridade Social mostrou-se extremamente efetivo na redução da pobreza entre a população adulta, que era de 50% entre os velhos em 1935, quando foi criado, passando a 35% 25 anos depois, sem nunca mais superar a percentagem dos outros grupos.Essa taxa de pobreza decresceu cada vez mais com os avanços do sistema nos anos 60 e 70, sendo que atualmente a taxa de pobreza entre a população mais velha(mais de 65 anos) está abaixo das das crianças e trabalhadores adultos, com apenas 11% dos idosos com renda abaixo da linha de pobreza.
Recorde-se que o programa de seguridade social americano foi criado como uma resposta política ao trauma econômico da Grande Depressão do início dos anos 30. Durante esse período o PIB americano encolheu em mais de 25% e a taxa de desemprego subiu para 22% da população, com o mercado de ações em queda de 70%. Para restaurar a segurança econômica da nação, o presidente Roosevelt enviou ao congresso projetos que se transformaram, em agosto de 1935, no Social Security Act, que deu início ao mais popular e bem sucedido programa social norte-americano.( cf. "Privatization:Not the answer for Social Security Reform", Regina T. Jefferson, Columbus School of Law).
(7) "Armadilha Neoliberal ", James Patras - Xamã- São Paulo -1999.
(8) O MODELO DO BANCO MUNDIAL
Os pilares da segurança econômica na velhice Objetivos Redistribuição mais co-seguro Poupança mais co-seguro Poupança mais co-seguro Modalidade Conforme as necessidades, mínimo garantido ou uniforme Plano de poupança individual ou plano ocupacional Plano de poupança individual ou plano ocupacional Financiamento Financiado com tributos Totalmente financiado, regulamentado Totalmente financiado Pilar obrigatório administrado pelo setor público Pilar obrigatório administrado pelo setor privado Pilar voluntário Extraído de "Envelhecendo sem crise" - Banco Mundial - 1994.
(9) Com base em certos mitos, macro e micro-econômicos e de economia política, o fundamentalismo neoliberal pretendeu construir uma obra destruidora de regimes solidários de proteção social.Depois de vinte anos de funcionamento do regime de capitalização chileno, vários analistas realizaram estudos sobre o tema, concluindo que as promessas feitas no passado não se concretizaram e, possivelmente, não se concretizarão. Dentre esses, destaca-se o ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2001 e ex-economista-chefe do FMI, Joseph Stiglitz, que refuta tais "mitos da reforma da seguridade social", utilizados sobretudo na América Latina como argumento em favor de reformas a la chilena como se fossem verdades absolutas. Além de esses mitos não estarem suficientemente apoiados na teoria econômica ou em evidências empíricas, a análise de Stiglitz mostra que a passagem para o sistema de capitalização pode significar a super exposição da velhice aos riscos econômicos, diminuição da cobertura, aumento dos gastos públicos, além da dilapidação de grande parte dos recursos dos assegurados em gastos administrativos, como demonstra a experiência chilena. Alguns desses mitos são: a) a privatização da seguridade social aumenta a poupança nacional; b) as taxas de rendimento são maiores num sistema de contas individuais: c) o mercado de trabalho funciona melhor com o sistema de capitalização; d) a concorrência no sistema privado assegura a diminuição dos custos administrativos; e) os plano privados de contribuição definida tornam o sistema de seguridade social menos suscetível às influências políticas; f) o sistema de capitalização em contas individuais é melhor que o sistema público de repartição porque é mais eficiente e menos sujeito à corrupção.
(10) Segundo o economista Alberto Arenas de Mesa, Chefe de Estudos da Direção de Orçamentos do Chile, entre 1981 e 1998, as Administrações de Fundos de Pensão - AFP (privadas) arrecadaram 33 bilhões de dólares, enquanto que nos mesmos dezoito anos o Estado chileno teve que investir 44 bilhões de dólares para o pagamento da transição, pagamento de pensões mínimas, compensação das prestações mínimas não atingidas e cobertura do déficit das aposentadorias dos militares, não incluídos nas AFP. O custo da transição tem girado em torno de 5,7% do PIB (equivalente ao nível de financiamento exigido hoje no Brasil, para ambos os regimes de previdência, geral e dos servidores públicos, embora o PIB chileno seja 10 vezes menor que o brasileiro) anualmente e, embora cerca de 86% da força de trabalho chilena esteja filiada a alguma AFP, somente 55% conseguem manter a contribuição, sendo que em 2001 o custo administrativo das AFP era de 17,94% do valor da contribuição dos filiados, devido principalmente aos gastos com publicidade e venda(o afiliado a uma AFP recolhe 10% do salário para a conta individual, mais 2,34% como custo de administração e mais 0,7% para contratar um seguro para cobertura de morte e invalidez; portanto, de um total de 13,04% de contribuição sobre o salário, 2,34% se destinam a custos administrativos, ou seja, 17,49% do total recolhido.(No caso do INSS, o custo total da administração é cerca de 7,14% do total arrecadado).
(11) CUSTOS DE TRANSIÇÃO ESTIMADOS PARA A CAPITALIZAÇÃO INDIVIDUAL EM PERCENTAGEM DO PIB:
PAÍS CUSTO (% PIB)
ITÁLIA 343%
FRANÇA 256%
JAPÃO 233%
BRASIL 202%
INGLATERRA 174%
EUA 167%
Fonte: Secretaria de Previdência Social- MPAS
O custo da transição entre sistemas de seguridade social de repartição e capitalização pode ser expresso pela soma do valor presente das obrigações futuras de pagamentos de benefícios dos aposentados e pensionistas do regime de repartição, com o valor presente das contribuições vertidas ao mesmo pelos trabalhadores da ativa. Para criar-se um sistema previdenciário baseado em fundos de capitalização, a partir de um regime fundamentado no denominado "contrato de gerações", é inevitável, então, que alguém assuma esse "passivo previdenciário",o que é um obstáculo de difícil superação.
(12) A Previdência Social brasileira, com 79 anos de funcionamento apresentou em janeiro de 2002 os seguintes dados: 21 milhões de aposentados e pensionistas; 26,7 milhões de contribuintes entre trabalhadores, autônomos e empregadores; arrecadação de R$ 62,5 bilhões, 5,11% do PIB; pagamento de aposentadorias, pensões benefícios de prestação única da ordem de R$73,3 bilhões, correspondente a 6,04% do PIB. As prestações são pagas rigorosamente em dia e, em muitos municípios, ultrapassa não só o total das contribuições previdenciárias como o total da receita dos mesmos, incluindo as transferências estaduais e federais, sendo o maior programa de renda mínima da América Latina e um dos maiores do mundo.
(13) A dívida pública da Argentina alcançou, em 2001, US$ 132 bilhões, sendo 80% desse montante decorrente da privatização do sistema de Previdência Social, iniciada por Carlos Menem em 1994, e o orçamento para 2001 seria superavitário se não houvesse ocorrido a privatização.O irônico é que a quebra do país em 2002 é, com razão, fortemente atribuída ao cumprimento estrito das políticas preconizadas pelo FMI e pelo Banco Mundial, tendo sido a Argentina a mais aplicada aluna e executado integralmente o programa de austeridade imposto por esses órgãos que, agora, negam socorro financeiro a essa mesma aluna falida, a menos que implante um programa de austeridade ainda mais severo do que todos os anteriores, com a eliminação de 350.000 empregos públicos no momento em que um em cada quatro argentinos está desempregado!.
(14) O programa de privatização do governo Menem foi traçado e aplicado com a ajuda técnica e financeira do Banco Mundial, que, em documento de estratégia publicado em janeiro de 2001(Holzmann y Jorgensen, "Estrategia para el sector de proteción social") se ufanava de que "o Banco Mundial se converteu em peça chave e depositário reconhecido de conhecimentos sobre reformas de sistemas de pensões", e que"o primeiro empréstimo para ajuste estrutural e baseado integralmente na reforma do sistema de pensões que foi concedido pelo Banco Mundial, foi outorgado à Argentina".
(15) "Los regimenes de pensiones, su evolución y características de reforma. Paises selecionados de la OCDE". - Carmen Solorio - Depto. Seg. Soc. De OIT,9/1998.
(16) O termo capitalização escritural é uma tradução livre da expressão em inglês notional accounts, sendo utilizado alternativamente as expressões capitalização virtual, modelo de contas nacionais ou modelo de contas imaginárias. Na capitulação escritural cada indivíduo acumula um capital virtual e, com base nesse, quando chega à aposentadoria, se converte esse capital em um fluxo de aposentadorias, e daí em diante essa aposentadoria é paga de acordo com a expectativa de sobrevida desse indivíduo.
(17) Relatório nº 19641-BR, "Brasil, Questões críticas da previdência social", volume I, 19 de junho de 2000. Banco Mundial, Unidade de Administração, Brasil-Região da América Latina e Caribe.

3. DÉFICIT DA PREVIDÊNCIA SOCIAL?
Visto então o "porquê" da necessidade de se produzir o discurso sobre a existência do déficit da Previdência Social, a sua fonte ideológica, passemos agora a identificar como se opera na prática esse discurso, ou seja, "como" é feito tal discurso, como estratégia de defesa do capital financeiro e especulativo.
Na tese de doutorado em demografia da economista Eli Iola Gurgel Andrade intitulada " (Des) equilíbrio da Previdência Social Brasileira- 1945/1997:
Componentes econômico, demográfico e institucional", obtemos a informação de que o histórico do sistema comprova que há mais crédito que débito, tendo havido, porém, algum escoamento indevido da receita para interesses alheios e má-gestão.Nos 55 anos pesquisados, a economista encontrou apenas seis anos de déficit primário (receita menos despesa).Se tirarmos os gastos de finalidade social da Previdência com a cobertura dos trabalhadores rurais, que não têm correspondência contributiva, e com gastos com a Assistência Social derivados da Lei Orgânica, nós não teríamos nenhum déficit. Pelo contrário, teríamos uma previdência com condições de construir uma "capitalização" (no sentido de criação de reservas técnicas num regime de repartição) significativa em um só regime geral. A Previdência Social historicamente é credora1 da União por patrocinar vários projetos de relevância social: sustentou a instalação da política previdenciária e de assistência médica, o nascimento dos planos de saúde privados, a partir de 1967, além das linhas de financiamento especiais que foram usadas para reformas e instalações de hospitais privados e a construção de Brasília, que foram financiadas em grande parte pelas reservas existentes no caixa previdenciário.
O suposto déficit da Previdência Social é contábil e transita também pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, por exemplo, pois se fosse mais explicitada a separação entre o orçamento fiscal e da seguridade, seria reduzida a confusão a respeito de cada um deles, tornando mais nítida a situação da Previdência Social.
Na contabilização do INSS deveria constar, além das normas de clareza, transparência e eficácia contábil, de modo inequívoco cada benefício e sua fonte de financiamento(e.g. de cada x% de cada contribuição social, y% para a Previdência Social, z% para a Saúde e w% para a Assistência Social). O governo passa para a sociedade como gasto previdenciário aquilo que não é, não se podendo dizer que há déficit na previdência porque: a) parte das receitas arrecadadas como contribuições sociais vão diretamente para o caixa do tesouro; b) são atribuídas como previdenciárias despesas assistenciais2.
O déficit da Previdência Social teria sido de R$ 12,21 bilhões em 2001, mais de 1% do PIB, novo recorde, mas esse resultado negativo é fruto de uma manipulação grosseira do governo. Isso porque são lançadas como despesas todos os gastos com benefícios, inclusive gastos com benefícios assistenciais, que deveriam ser concedidos com recursos do orçamento fiscal.
De outro lado, são considerados receitas somente as contribuições sobre a folha de salários, expurgando-se as demais contribuições sociais (CPMF, COFINS, CSLL, etc), que, constitucionalmente, são fontes de custeio da saúde, da assistência social e também da Previdência Social.
Quando confrontadas todas as despesas da Seguridade Social (saúde, previdência e assistência social), com as despesas gerais com o atendimento á população, o que acontece, ao invés de déficit, é um expressivo superávit de R$ 31,46 bilhões. Portanto, o governo desvinculou3 recursos da seguridade social para o pagamento de juros da dívida interna, o que representou aproximadamente 2/3 do superávit primário conseguido em todas as esferas de governo em 2001. A seguridade vem sendo utilizada pelo governo também para tirar dinheiro dos estados e municípios. Isso porque a repartição só envolve impostos; contribuições sociais ficam exclusivamente com a União.
Isso vem provar que a receita da Seguridade Social arrecadada pelo caixa do Tesouro, através do COFINS, CPMF, CSLL, Loterias, etc., não vai toda para a Seguridade Social, passa para outros setores, sendo usado como reserva do Tesouro Nacional e, principalmente, para a formação do superávit primário para cumprir as metas do acordo firmado com o FMI.
Analisado em seu conjunto, o Orçamento da Seguridade Social é superavitário.
A arrecadação de todas as contribuições sociais somadas às receitas próprias dos órgãos da seguridade supera a totalidade das despesas desta, com saúde, previdência e assistência social, inclusive quando são acrescidos todos os encargos previdenciários da União, relativos a servidores civis e militares. Podemos acompanhar a execução do Orçamento da Seguridade Social de 1999 a 2001 nas tabelas abaixo e comprovar o que foi dito.

EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL - EXERCÍCIO DE 1999 (EM R$ BILHÕES)
RECEITAS
Receita previdenciária líquida 49,127
Outras receitas do INSS 0,368
COFINS 30,934
CSLL 6,736
CPMF 7,949
Concurso de prognósticos 1,023
TOTAL DE RECEITAS 96,137

DESPESAS
Benefícios urbanos e rurais 60,086
Benefícios assistenciais 3,022
Saúde 18,861
Assistência social 0,514
Custeio e outras ações do MPAS 3,249
TOTAL DAS DESPESAS 82,710
SALDO +13,427
FONTE: Secretaria de Orçamento Federal- SOF/ INSS

EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL - EXERCÍCIO DE 2000 (EM R$ BILHÕES)
RECEITAS
Receita previdenciária líquida 55,715
Outras receitas do INSS 0,421
COFINS 32,096
CSLL 7,356
CPMF 11,947
Concurso de prognósticos 0,298
TOTAL DAS RECEITAS 107,83

DESPESAS
Benefícios urbanos e rurais 65,787
Benefícios assistenciais 3,331
Saúde 20,234
Assistência Social 0,592
Custeio e outras ações do MPAS 3,475
TOTAL DAS DESPESAS 93,42
SALDO +14,41
FONTE: Secretaria de Orçamento Federal - SOF/ INSS

RECEITAS E DESPESAS DA SEGURIDADE SOCIAL
SALDO AGREGADO- RGPS+RJU/20011 (EM R$ BILHÕES)

I - RECEITAS 2001
Receita previdenciária líquida2 62,491
Outras receitas do INSS3 0,618
COFINS 45,679
CSLL 8,968
CPMF 17,157
Concurso de prognósticos 0,521
Contribuição dos servidores 2,384
Contribuição da União4 3,481
Receitas próprias do Ministério da Saúde 0,962
Outras contribuições sociais5 0,481
TOTAL DAS RECEITAS 142,742

II - DESPESAS 2001
Benefícios urbanos e rurais 73,692
Benefícios assistenciais 4,323
EPU - Legislação Especial6 0,682
Saúde7 21,111
Assistência Social Geral e Defesa Civil 1,875
Custeio e Pessoal do MPAS8 3,497
Ações do Fundo de Combate à Pobreza 0,233
EPU - Encargos inativos/ pensionistas- civis/ miltares 30,170
TOTAL DAS DESPESAS 135,583
SALDO FINAL +7,159
FONTES: SIAFI E FLUXO DE CAIXA DO INSS(DADOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL)
OBS.: CSLL= Contribuição Social sobre o Lucro líquido; CPMF= Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira.

NOTAS:
1- Exclui a receita da contribuição social do PIS/PASEP e as respectivas despesas vinculadas(transferências FAT/BNDES, benefícios do FAT, seguro desemprego, abono salarial, qualificação profissional e outras do MTb. Exclui ainda juros e amortizações da dívida).
2- Receita líquida= arrecadação bancária+SIMPLES+REFIS+ arrecadação CDP+arrecadaçãoFIES+depósitos judiciais-restituições-transferências a terceiros.
3- Corresponde a rendimentos financeiros, antecipação de receitas e outros, segundo o fluxo de Caixa do INSS.
4- Contribuição devida e parte não recolhida pela União, como contrapartida da contribuição do servidor, correspondente à contribuição patronal (2x1), conforme Lei 9.717/98.
5- DPVAT(parcela do FNS) e contribuições sobre concursos de prognósticos e prêmios prescritos, bens apreendidos(parcela da assistência social).
6- Encargos Previdenciários da União: benefícios concedidos por leis especiais, pagos pelo INSS, com recursos da Seguridade Social, e repassados pelo Tesouro.
7- Inclui ações de saúde, saneamento, pessoal e despesas de custeio do Ministério da Saúde.
8- Não inclui os pagamentos a inativos do INSS, pois já estão incluídos em EPU.

(TABELA adaptada da TABELA 9, pág. 38, "SEGURIDADE SOCIAL E ESTADO MÍNIMO", junho-2002. ANFIP / FUNDAÇÃO ANFIP).

I- RECEITAS 2001 C/DÉFICIT S/DÉFICIT
Receita previdenciária líquida2 62,491 62,491 62,491
Outras receitas do INSS3 0,618 0,618 0,618
Receita rural4 -0,809
COFINS 45,679
CSLL 8,968
CPMF 17,159
Concurso de prognósticos 0,521
Receita própria do Ministério da Saúde 0,962
Outras contribuições sociais5 0,481
TOTAL DAS RECEITAS 136,877 63,109 62,300
II- DESPESAS
Pagamento total de benefícios 6 78,697
1. benefícios previdenciários 73,692 73,692
* Urbanos 59,383 59,383
* Rurais 14,309
2. Benefícios assistenciais 4,323 1,636
* RMV 1,636
* LOAS 2,687
3. EPU7 0,682
Saúde8 21,111
Assistência Social geral 1,875
Custeio e pessoal do MPAS9 3,497
Ações do Fundo de Combate à Pobreza 0,233
TOTAL DAS DESPESAS 105,413 75,328 59,383
SALDO FINAL 31,464 -12,219 2,917
FONTES: SIAFI, SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL(dados da arrecadação das contribuições sociais) e FLUXO DE CAIXA DO INSS(dados de Previdência Social).

NOTAS:
(1) Receitas e despesas da Seguridade Social, conforme art. 195 da Constituição Federal.
(2) Receita líquida= arrecadação bancária+SIMPLES+REFIS+arrecadação CDP+arrecadação FIES+ depósitos judiciais- restituições- transferências a Terceiros.
(3) Corresponde aos rendimentos financeiros e outros, segundo o fluxo de caixa do INSS.
(4) O valor deve ser subtraído, em função de sua subtração também nas despesas.
(5) Referem-se a contribuições sobre o DPVAT ( vão para a Saúde), contribuições sobre prêmios prescritos, bens apreendidos (parcela da assistência social).
(6) Referem-se aos benefícios mantidos (previdenciários+assistenciais), excluindo EPU.
(7) Encargos Previdenciários da União: benefícios concedidos por leis especiais, pagos pelo INSS, com recursos da Seguridade Social, e repassados pelo Tesouro.
(8) Inclui ações de saúde do SUS, saneamento e custeio do Ministério da Saúde.
(9) Inclui pagamentos realizados a ativos, inativos e pensionistas do INSS, bem como a s despesas operacionais consignadas.

(TABELA adaptada da TABELA 10, pág. 39, " Seguridade Social e Estado Mínimo", ANFIP/FUNDAÇÃO ANFIP-junho 2002).
Foi anunciado que o déficit de 2001 foi recorde, da ordem de R$12,8 bilhões, com receita da Previdência de R$62,5 bilhões e despesas de R$75,3 bilhões, mas isto vem pela não distinção entre os benefícios contributivos (previdenciários), poucos contributivos (rurais) e não-contributivos (assistenciais), e pela não inclusão dos recursos alocados constitucionalmente, desmontando a integralidade do sistema de Seguridade Social e inviabilizando o equilíbrio financeiro da previdência Social.
Mas, trabalhando-se com o conceito constitucional de seguridade social, apropriando-se corretamente todas as receitas e despesas da seguridade social, há um superávit, como se observa na tabela acima e que o chamado déficit encontra-se na diferença entre os benefícios rurais pagos e suas correspondentes receitas.
Apesar do discurso oficial do MPAS insistir no conceito equivocado utilizado para fabricar o "déficit", o próprio Secretário da Previdência Social, Vinícius Carvalho Pinheiro, reconheceu que" ...Com isso conclui-se que, a despeito de elementos atuariais, por trás do chamado déficit da Previdência existem políticas de: (i) distribuição de renda por meio de aumento reais conferidos ao salário mínimo; (ii) subsídios a atividades filantrópicas, a micro e pequenas empresas, a trabalhadores domésticos e do campo, a empresas rurais e até a atividades desportivas e (iii) transferência de renda da área urbana para a rural" ( artigo " Por trás do déficit da Previdência"- Gazeta Mercantil, 24 de julho de 2002, pág. 03, caderno A).
Porque essa deformação apresentada á opinião pública por parte do governo?
Para esconder da população o desvio de recursos da seguridade social para outras finalidades, por exemplo, pagamento de juros e amortização da dívida pública e, também, para justificar a necessidade de redução dos benefícios e do salário mínimo, além de obviamente preparar terreno para a entrega da previdência social às forças do mercado.
Para o modelo neoliberal vigente, a Previdência Social é encarada como um grande centro de custo, que impede que grande quantidade de recursos seja canalizada para suprir os encargos financeiros da União4.
Por exemplo, o superávit primário (receita menos despesa não financeira) previsto inicialmente para 2003 era de R$ 39,8 bilhões, sendo R$ 32 bilhões do orçamento fiscal e da seguridade social e R$ 7,8 bilhões das estatais, e já foi revisto para maior, devido ao mais recente acordo com o FMI.
Mas é preciso ver então, que esse discurso oficial não teria o alcance que tem sem um acolhimento inquestionável por parte dos veículos de comunicação, construindo-se verdades e parâmetros segundos os quais a sociedade deve pensar, ou seja, que a imprensa constitui o grande aparelho ideológico de Estado que dá sustentação ao discurso oficial: o que as fontes oficiais dizem, está dito.
A mídia brasileira aderiu integralmente ao projeto neoliberal e defende este projeto com unhas e dentes e constitui-se numa autêntica usina ideológica de formatação de discurso, no dizer do professor Emiliano José5, que estudou o tema do "jornalismo de campanha" em sua tese de doutoramento na UFBA.
Desde a Constituição de 1988, esse tipo de jornalismo destina-se o tempo inteiro a desacreditar o que é estatal e a louvar o que é privado, desenvolvendo um arsenal discursivo bastante competente, que vai do título à matéria construindo esta idéia.
É o que acontece com o discurso sobre o "déficit" da Previdência Social que, como vimos, é construído com a manipulação das receitas específicas da Previdência e despesas mais abrangentes de seguridade social, resultado de uma visão conceitual equivocada: a palavra de ordem é " é preciso privatizar a Previdência Social"; então, o discurso é " há um déficit crescente na Previdência"; logo, essa é a verdade que deve ser propagada, não importando que a análise das contas mostrem o contrário.

NOTAS
(1) "... o governo retirou ou deixou de repassar aos órgãos previdenciários valores que podem variar entre R$ 50 a 400 bilhões, dependendo do instituto ou organismo que fizer esta contabilidade. É muito dinheiro retirado dos aposentados, quando havia superávit nas contas dos antigos IAPs, do INPS e depois do ex-Iapas". in " INSS: o mito do déficit", Vilson Antonio Romero - Boletim DIAP de 30/07/2002. "Quando o sistema era jovem - ou seja, o número de trabalhadores contribuintes era superior ao número de inativos - verificaram-se saldos de caixa que deveriam ser utilizados para garantir a viabilidade do sistema em conjunturas desfavoráveis. Entretanto, esses saldos, muitas vezes, foram utilizados para outras finalidades, distintas de interesses previdenciários, tais como na construção de Brasília, na constituição e no aumento de capital de varias empresas estatais, na manutenção de saldos na rede bancaria como compensação pela execução de serviços de arrecadação de contribuições e de pagamento de benefícios".( in " O Livro Branco da Previdência Social" - MPAS/ 1995) (2) "Primeiro deve ser mudado o enfoque das dificuldades de caixa do INSS. O governo paga um salário mínimo de aposentadoria e pensão a 14 milhões de pessoas, a maior parte delas oriunda do setor rural. E estes benefícios foram reajustados em 10,4 %, enquanto que as demais 6,5 milhões de aposentadorias e pensões receberam aumento de 9,2%.
Como a área rural gera uma arrecadação insignificante, na correlação com o dispêndio com benefícios, há uma clara e evidente redistribuição de renda dos contribuintes urbanos para o setor primário. Só no ano de 2001, foram pagos R$ 14,3 bilhões aos aposentados rurais, tendo entrado nos cofres do INSS, uma receita sobre produtos e empregos agropecuários de somente R$809 milhões. Só aí já justificaríamos a mudança do enfoque: "não há um déficit, mas um investimento social deste governo na subsistência dos trabalhadores do campo". Se isto não bastasse, continuam os incentivos à simplificação do pagamento de tributos e contribuições, através do chamado Simples. Esta medida, de extrema valia para o empresariado de pequeno porte, ocasionará uma renúncia estimada de R$ 2,7 bilhões neste ano. Com as demais atividades empresariais beneficiadas por lei, chegamos a uma renúncia prevista na LDO de 2002 de R$ 9,2 bilhões. Com o processo de redução de atividade econômica quase crônico, tende a minguar a fonte de financiamento oriunda da massa salarial. Com isto, o que se arrecada da folha de salários revela-se cada dia mais insuficiente para pagar os mais de 21 milhões de beneficiários do INSS. Mas, não podemos, como se verifica na análise, qualificar este desequilíbrio como uma mera conta de receita e despesa previdenciária e sim um investimento social da maior monta, que privilegia - com recursos do Tesouro e dos contribuintes urbanos - primordialmente o setor rural, as entidades filantrópicas e as empresas de pequeno porte. Portanto, não há que se falar em déficit da Previdência" - Vilson Romero, op. cit. (3) Esclareça-se, por outro lado, que ao emendar sucessivamente a Constituição Federal com o chamado Fundo Social de Emergência (Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de1994), com vigência nos exercícios de 1994 e 1995, depois rebatizado em 1996 de Fundo de Estabilização Fiscal (Emenda Constitucional nº 10, de 1996), com vigência até 30/06/97, prorrogada até 31/12/99 (Emenda Constitucional nº 17, de 1997), e agora, desde janeiro de 2000 até dezembro de 2003 ( Emenda Constitucional nº 27, de 2000),como Desvinculação de Receitas da União (DRU), o governo federal capturou parte dos recursos da seguridade social, desviando-os para pagar o serviço da Dívida Pública. Mas, a menos desses 20% de desvinculações oportunistas e das sobras de dotação orçamentária em cada programa Social, tudo o mais está vinculado ao orçamento da seguridade e a seus correspondentes sistemas e programas.
A desvinculação de recursos orçamentários (DRU) permite ao governo utilizar 20% das receitas das contribuições sociais tão livremente como qualquer receita de impostos.
(4)"(...) Excluindo-se do total destinado a Juros e Amortização da Dívida (R$ 677,84 bilhões) a parcela que será refinanciada (R$ 537,69 bilhões), o valor destinado ao serviço da dívida pública ainda é absurdo: R$ 140,15 bilhões! Para se ter uma idéia da grandeza deste valor, a previsão de arrecadação total de tributos (strictu sensu) pela União, no mesmo período, é de R$ 88,36 bilhões, ou seja, tudo o que se arrecadar com tributos, durante o ano de 2001, será consumido no pagamento da dívida, e ainda vão faltar R$ 51,79 bilhões, que terão de ser retirados das contribuições sociais (desviando recursos que deveriam estar indo, por exemplo, para saúde e seguridade social), de Outras Receitas ( tais como rendas auferidas com a privatização de estatais e com a prestação de serviços), mas principalmente de novos empréstimos". - Maria Lúcia Fatorelli -"Dívida Externa Brasileira: De joelhos ou de cabeça erguida?" - Tributação em Revista nº 35, ano 9, janeiro/março 2001.
(5) Emiliano José, entrevista Revista Conexão/Unafisco Sindical, nº 14, ano II, dezembro de 2001.

4. CONCLUSÕES
A alardeada crise da Previdência Social, com o suposto "déficit" considerado como um epicentro do problema fiscal do país tem, como vimos, aspectos ideológicos, demográficos e macroeconômicos.
As raízes ideológicas provêem da falência do modelo socialista que vigorava e da contra-reforma capitalista empreendida, calcada no tripé estado mínimo, livre comércio e corte nos gastos sociais.
"A privatização e a liquidação das atividades do setor público que concorrem deslealmente com o privado, a eliminação das restrições à concorrência, a eliminação das funções de controle e licenciamento e o desmantelamento das agencias públicas que desempenham essas funções", são paradigmas que devem ser buscados dentro da estratégia da política neoliberal, como sintetizado nesta passagem de um documento do BIRD1.
O neoliberalismo, com seus valores individualistas e anti-solidários, fabrica ou superestima as crises da Previdência Social para viabilizar suas teses de redução da carga fiscal e dos gastos sociais.
O aspecto demográfico leva em conta a redução da taxa de fecundidade e o crescimento da expectativa de vida, apontados como responsáveis pela falência, sob a ótica neoliberal, dos sistemas de repartição, havendo só uma solução: privatização dos sistemas de seguridade social e introdução da capitalização individual.
O aspecto macroeconômico, com a consolidação do desemprego estrutural e da precarização das relações trabalhistas, fruto da adoção das políticas neoliberais, esse sim, pode ser apontado como responsável por crises nos sistemas previdenciários.
Como bem adverte o economista José Prata de Araújo, as tendências estruturais do capitalismo no nosso tempo e o sistema de proteção social não são compatíveis, sendo que uma vitória mais completa do neoliberalismo implicará na destruição ou numa redução drástica do sistema de seguridade social2.
Um sistema de proteção social bem esquematizado que funcione e tenha características duradouras, constitui um recurso produtivo que aumenta, e não compete com, a eficiência econômica e contribui para o desenvolvimento econômico e coesão social, condições imprescindíveis para o desenvolvimento sustentado.
Na América Latina é necessário que se estabeleça o compromisso de destinar uma parte substancial do crescimento econômico para criar a base de sustentabilidade financeira do sistema de proteção social. Para este fim são prioritários a geração de empregos, o incremento na renda dos trabalhadores e a incorporação dos excluídos, ademais da melhora da gestão do sistema.
Na União Européia o nó está no problema demográfico, enquanto que na América Latina e Caribe a baixa cobertura devida a fatores estruturais, de gestão, de administração e desenvolvimento o mercado laboral, implicam numa baixa capacidade contributiva. A Seguridade Social não é a causa da crise e sim a base econômica que a sustenta é que origina os desequilíbrios.
O financiamento dos programas de proteção social deve se efetuar por intermédio de fundos específicos, separando os contributivos dos não contributivos e mistos.
Segundo o Consenso obtido na Conferência Internacional do Trabalho em 2001, os países da União Européia e da América Latina e Caribe apelam às instituições financeiras regionais e internacionais e demais órgãos de cooperação técnica a somarem-se na promoção da justiça social mediante extensão de um sistema compreensivo de seguridade social baseado na solidariedade.
Esses organismos internacionais deveriam ver que o acesso efetivo à proteção social deveria ser parte fundamental das estratégias de desenvolvimento e redução da pobreza.
O aumento da longevidade e a diminuição da fecundidade devem ser tratados como fatores de desafio para o equilíbrio do sistema de seguridade social e não como uma ameaça. A esperança de vida não pode se transformar em intimidação e a evolução demográfica deve ser analisada de forma positiva, como diz Jacques Nikonoff, membro de Conselho Científico da ATTAC- Ação pela Tributação das Transações Financeiras em Apoio aos Cidadãos.
Entre os desafios que devem ser enfrentados para vencer o desequilíbrio do sistema, além da questão de longevidade, estão a crise fiscal, as transformações na estrutura do mercado de trabalho e na própria organização da produção.
A desorganização no mercado de trabalho e o fraco crescimento econômico do Brasil geram problemas que acabam desequilibrando o sistema previdenciário.
A pressão demográfica no mercado de trabalho, com muitos jovens à procura de emprego, deveria aumentar a base contributiva e ser favorável, mas o problema é a falta de empregos formais.
Uma das conseqüências mais graves do baixo crescimento da economia brasileira é o incremento do déficit público, fato esse que faz com que se inviabilize a capacidade do governo de desenvolver em todos os seus níveis políticas públicas de investimentos nas suas áreas básicas de atuação (saúde, educação, seguridade social, infra-estrutura, segurança, etc.). É preciso observar3 que o déficit público no Brasil é o resultado da conjunção de quatro fatores: 1) o incremento da dívida pública interna associada à venda de títulos públicos para controlar a inflação com a redução do meio circulante decorrente da entrada de capitais externos; 2) os custos financeiros associados ao pagamento do serviço da dívida pública interna; 3) o nível insuficiente das receitas públicas devido ao baixo crescimento da economia brasileira; e 4) a sonegação fiscal que corresponde a 50% do valor total do que o governo arrecada.
Com as carências sociais do Brasil, não se pode prescindir de um sistema de seguridade que priorize o social e não dependa exclusivamente de regras do mercado. A previdência não deve ser encarada apenas como um elemento capaz de prover aposentadorias, mas responsável por dotar a população de condições para viver melhor depois de uma vida de trabalho.
A Previdência Social deve ser encarada como uma política social de confisco e redistribuição de renda.
O número reduzido de contribuintes do RGPS, cerca de 44% da população economicamente ativa, expressa uma gravíssima situação social decorrente do modelo econômico adota pelo governo. Uma política forte de desenvolvimento econômico, com uma taxa media de crescimento do PIB em torno de 4% a 4,5%, com aumento da formalização no mercado de trabalho, resultaria em elevação do salário médio na economia e da quantidade de empregos, com conseqüências positivas ao equilíbrio financeiro da Previdência Social.
O problema está na atividade econômica decrescente e no desemprego em elevação, que causam a diminuição da arrecadação liquida previdenciária. Então, em vez de se denunciar a perversidade desse modelo econômico que leva a essa situação, ataca-se a Previdência Social pelo déficit, pelo rombo tão propalado e culpa-se a vitima!

NOTAS
(1) (Working Papers, World Bank, 495, 1990).
(2) José Prata de Araújo- "Previdência Social: diagnóstico e propostas", Projeto- Belo Horizonte- 1995.
(3) Fernando Alcoforado, "Um Projeto para o Brasil", Nobel -São Paulo - 2000.

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