Reajuste Salarial de 2003 - Resposta de uma professora ao Secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão


Caro(a) servidor(a),
Como você já sabe, infelizmente não foi possível incluir na folha de pagamento do mês de maio, para pagamento em junho, os valores referentes ao reajuste salarial de 2003. O governo está fazendo todos os esforços para que o reajuste seja incluído na folha de junho, com pagamento no segundo dia útil de julho - a parcela linear de 1% retroativa a janeiro de 2003, e a vantagem salarial de R$59,87 retroativa a maio de 2003.
O pagamento ainda não foi feito porque limitações constitucionais impedem o uso de Medida Provisória, um caminho mais rápido. O Governo teve de encaminhar ao Congresso Nacional dois Projetos de Lei, ambos com pedido de tramitação em regime de urgência. Esperamos ver os dois Projetos aprovados ainda no mês de junho, já que praticamente todas as lideranças partidárias vêm se comprometendo com o apoio à tramitação acelerada.
Sabemos que esses fatos criaram transtornos para os servidores. Ainda assim queremos pedir a compreensão de todos, uma vez que providências foram adotadas para acelerar o pagamento do reajuste, retroativo às datas propostas em abril.
Lembramos ainda que continuam os trabalhos da Mesa Nacional de Negociação Permanente, que discute propostas de interesse do servidor. O objetivo do Governo é desenvolver, ao longo de quatro anos, um processo de recuperação salarial e de valorização das carreiras do serviço público. O reajuste de agora foi a penas o primeiro passo possível nesse processo.
Atenciosamente,
LUIS FERNANDO SILVA
Secretário de Recursos Humanos
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
Ilmo. Sr.
Luís Fernando Silva
Secretário de Recursos Humanos
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
Prezado Senhor,
Como não temos qualquer relação pessoal, levei como surpresa o aparecimento de sua mensagem em minha caixa de entrada da internet. Como não costumo deixar sem resposta as mensagens dos amigos e colegas com os quais me comunico, vou fazer de conta que V. Sa. está entre aqueles que usam meu e-mail particular (pois minha conta de internet não é paga por qualquer instituição), para não deixar sua mensagem sem resposta.
Por favor, não me faça lembrar o Big Brother (1984, de O. W), dizendo que, se eu tenho e-mail, o governo pode usar para falar comigo - tenho certeza de que leu a obra literária que menciono. Bem sei que o governo e o partido do governo não vêem com simpatia aqueles que discordam de suas ações ou criticam suas medidas. Mas, não sou militante do partido do governo e, por isso, não temo punição, a exemplo do que está prometido à corajosa senadora e a seus companheiros de princípios, conforme noticia do pela imprensa.
Acima de tudo, acredito, democraticamente, que quem me diz o que quer concede-me o direito de resposta - principalmente, quando sou vítima de uma promessa enganosa e quando me tratam como "você".
V. Sa. começa com um "infelizmente", referindo-se ao reajuste que não foi pago. Como servidora que esperava um reajuste, sou eu que digo:
INFELIZMENTE, o governo nos prometeu qualquer coisa insignificante que passou a chamar de "reajuste" e nem assim conseguiu honrar a promessa.
Começo a temer que essa promessa entre para o rol das outras tantas promessas solenemente pronunciadas nos palanques da campanha eleitoral e tão rapidamente esquecidas, tendo, sempre tão dramática e retoricamente, seu esquecimento explicado através da imprensa, com recurso de metáforas velhas e sem poesia.
De qualquer modo, depois de tantos anos sem reajuste (coisa que V. Sa., muito bem orientado pelo governo e com a ajuda de seus eficientes e gratificados assessores, vai, inutilmente, se apressar em desmentir, misturando dados e informações para dar aparência de verdade a seu desmentido), se essa promessa for também para a vala comum do esquecimento, servindo de companhia às outras, não fará tanta diferença assim no bolso dos servidores, considerando a insignificância do montante, que, ao fim e ao cabo, só servirá mesmo para que o governo, depois, possa argumentar que deu reajuste ao funcionalismo, e para que a opinião pública, desconhecendo a "fortuna" que nos foi prometida e ainda não concedida, acredite na seriedade do governo.
Gostaria de fazer algumas breves observações:
1) Intriga-me o fato de o governo ter divulgado na imprensa a concessão de reajuste salarial ao funcionalismo a ser pago no início de junho, e não ter tido a mesma disposição para divulgar na imprensa que não cumpriu a promessa e que, de resto, o tal reajuste , até a presente data, não passa mesmo de vaga e mera promessa , para gerar notícia favorável ao próprio governo.
2) Preferindo apresentar as explicações via internet, fazendo de conta que está se dirigindo de modo personalizado a cada servidor, que, na falta do pagamento do mísero reajuste, tem, agora, além da promessa presidencial, o consolo de uma mensagem explicativa, e evitando a ampla divulgação na imprensa do não cumprimento do prometido, o governo quer, diante da opinião pública, manter sua credibilidade e, sem que precise mentir, deixa que se pense que é sério e que costuma cumprir os compromissos assumidos e divulgados pela imprensa. Mudam-se os tempos, mudam-se os expedientes: na calada da internet, dá-se uma satisfação aos servidores e deixa-se a opinião pública ignorando que não se cumpre o alardeado e, ainda de quebra, consolida-se a imagem de abastado, de afortunado, de "marajá" (no que se refere a mim, de "marani"), que se tem imposto ao servidor, para que se tenha o que dizer na próxima entrevista, no pronunciamento na próxima inauguração ou em outra situação que sirva para o marketing da imagem de quem se preocupa com os servidores e com a justiça social.
3) Não me venha V. Sa. explicar a situação com alguma daquelas metáforas de mau gosto que falam de "sacrifício", de "esperança", de "remédio amargo" para "curar o doente" ou de outras bobagens tão presentes nos discursos oficiais, porque metáfora pertence ao campo da literatura e, portanto, não serve para administrar a vida real. Também não lance mão daquela outra metáfora horrorosa (de gosto escatológico) que busca na gestação a explicação de não se poder pedir à criança para nascer antes d a hora, alegando que o governo tem "5 meses" (de gestação? ou de governo?), que foi recentemente usada pelo Exmo. Sr. Presidente da República, graças à falta de esperteza de sua assessoria, que ainda não soube lhe dizer que essas figuras de linguagem são de péssimo gosto literário e que, como figuras de linguagem, não compõem qualquer tópico sério de programa de gestão da coisa pública.
4) Principalmente, não me peça compreensão, tal como está escrito em sua mensagem (v. abaixo), pois eu jamais lhe pedi compreensão a ponto de V. Sa. abrir mão da gratificação que recebe como assessor e nem pedi aos que foram para os cargos criados para abrigar os perdedores das últimas eleições que sejam compreensivos e deixem de receber as gratificações que estão recebendo. Além do mais, como cidadã, jamais me foi dado o direito de pedir aos senhores parlamentares que fossem compreensivos e que não aumentassem abusivamente suas vantagens financeiras e salariais, como fizeram no início da atual legislatura.
5) Ao funcionalismo federal não se pede compreensão. Respeita-se o funcionalismo, concedendo-lhe reajuste digno ou, pelo menos, cumprindo a promessa do mísero reajuste alardeado na imprensa. Se não havia condições legais para conceder o mísero reajuste, não se devia ter feito a promessa e propalar tal promessa por meio da imprensa. Quem governa precisa estar melhor informado das competências legais antes de fazer promessas, para não passar por descumpridor da palavra empenhada através dos jornais e das emissoras de televisão. Não estamos falando de relações religiosas, que implicam vocação para o sacrifício, para a compreensão das dificuldades "neste vale de lágrimas". Estamos falando de relações laicas , numa sociedade para o mercado. Não estamos falando de relações pessoais ou privadas, que permitem apelos sentimentais. Estamos falando de relações políticas, entre cidadãos e governo, nas quais uns, de um lado, esperam o reajuste prom etido, enquanto o outro lado não cumpre a promessa e silencia isso para a imprensa, forjando uma atenção especial e personalizada via internet. Estamos falando de "como iludir o povo".
6) Sua mensagem explica os trâmites legais para que o reajuste seja concedido, cabendo aos senhores parlamentares a responsabilidade da apreciação da questão. E por que o governo prometeu diante do Brasil inteiro? o governo desconhece os trâmites legais? Custa-me aceitar que votei num governo incompetente ou capaz de nome ar assessores incompetentes e tão bem remunerados. E por que o governo não diz diante da imprensa que não sabia da existência dos procedimentos legais, das disposições constitucionais? Pode até dizer aos jornais que continua cheio das melhores intenções, mas que tudo depende dos senhores parlamentares - a opinião pública é inteligente. O Brasil ficará sabendo que tudo ainda é promessa e que nada mudou "no reino da Dinamarca".
Tenho certeza de que nada disso vai ser entendido por V. Sa. - se é que vai receber minha resposta. E V. Sa. não vai entender, porque foi nomeado para fazer mensagens pedindo compreensão ao funcionalismo e reforçando uma vaga promessa de um reajuste que nem é grande coisa e do qual ninguém sabe, até hoje, se vai "ver a cor" (mantendo o nível de linguagem dos pronunciamentos do governo).
Em sua próxima mensagem pela internet dirigida aos servidores, fale com cidadãos e porte-se como autoridade política, mesmo que na calada da internet, evitando apelos emocionais e sentimentais, pois compreensão não é moeda no supermercado para aqueles que fazem a polis. Supermercado não se paga com retórica.
Não recebi o reajuste e me nego a conceder a compreensão que me pede.
Atenciosamente,
Profª. Dra. Sônia Maria van Dijck Lima
Universidade Federal da Paraíba - professora aposentada
dijck@plugnet.com.br - e-mail autorizado para V. Sa. e não para outra autoridade do governo me incomodar.
PS: Considerando sua mensagem como discurso de autoridade política, portanto, não sendo correspondência privada que tenhamos mantido, minha resposta é de cidadã, e, portanto, também não é uma mensagem de caráter pessoal. Informo que após mandar par a V. Sa. darei a mais ampla divulgação que me for possível tanto a seu texto, de caráter oficial, no qual, aliás, não consta qualquer recomendação de reserva, como a meu texto, como uso da palavra enquanto cidadã que acredita viver numa democracia.

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