Inspeção sanitária e industrial dos produtos de origem animal (controle oficial - sanitário e tecnológico).
- Autores: Jessy Antunes Guimarães (Médico Veterinário,CFMV n º.0191 Rio de
Janeiro -RJ); José Christovam Santos (Médico Veterinário,CRMV/SP n º.0017 São Paulo -SP.
- Referência: Revista CFMV. Ano 7 - Nº 23 - Mai/Jun/Jul/Ago - 2001, p.6-11.
Preocupam-nos, sobremaneira, teses que chegam ao nosso conhecimento
propondo um impertinente ordenamento de procedimentos, uma pretensa nova
metodologia de trabalho para a inspeção higiênico-sanitária e industrial dos
produtos de origem animal. Tal iniciativa, se não analisada de forma isenta
e com profundidade, levando em consideração a história do Serviço de
Inspeção Federal e seu papel preponderante na defesa da saúde pública e da
economia nacionais,poderia conquistar adeptos,os menos avisados e,
principalmente, o que seria pior, sensibilizar autoridades públicas,
mormente neste instante político que o país vive, face a agradável sugestão
para que o Ministério da Agricultura cumpra sua missão,seu poder de polícia,
sem os custos e ônus que a atividade exige.
A inspeção sanitária dos produtos de origem animal, em razão da sua
complexidade, responsabilidade e envolvimento com as áreas de saúde e
econômica, não pode se sujeitar a alterações ocasionais. Se algo existe que
requeira modificação, dada a amplitude dos conhecimentos indispensáveis à
tarefa, somente após judiciosos e pormenorizados estudos, elaborados por
especialistas em diferentes campos da Medicina Veterinária, é que se
indicaria um novo modelo, se este for o caso.
Porque, como externaremos no curso desta exposição, é imperiosa a
necessidade de se preservar os fundamentos e as peculiaridades dos
procedimentos e práticas da legislação reguladora, os quais tem demonstrado,
desde o início do século passado, pela sua indiscutível dimensão
técnico-científica, de espectro universal, que visam exclusivamente o
interesse público.
Não podemos, pois, deixar de registrar a nossa posição quando nos
deparamos, mais uma vez, com propostas tidas como panacéias, salvadoras de
situações eventuais de natureza político-administrativa pelas quais passa o
órgão máximo de inspeção. Apresentamos, assim, os nossos comentários,
alinhando sugestões e,sobretudo, justificando o nosso ponto de vista com o
objetivo declarado de tentar inibir o proselitismo contido na tese,ora
sujeita a nossa crítica,qual seja a da privatização das atividades
executivas da Inspeção Federal, incluindo aquelas ligadas à inspeção "ante"
e "post-mortem".
O controle oficial, sanitário e tecnológico, dos produtos de origem
animal no Brasil não é uma atividade nova. De fato, ele foi objeto de
regulamentação, pela primeira vez, nos idos de 1915 (Decreto 11.462/15),
mas, realmente, tomou corpo em 1921 com a criação, no então Serviço da
Industria Pastoril do Ministério da Agricultura, da Seção de Carnes e
Derivados e da Seção de Leite e Derivados (Decreto 14.711/21)e com o advento
de um dispositivo amplo para a inspeção de carnes: as Instruções para
Regerem a Inspeção Federal de Frigoríficos, Fábricas e Entrepostos de Carnes
e Derivados (Portaria Ministerial de 30/11/1921).
Em 1928,estas Instruções foram revistas e receberam mais detalhamento;
não somente quanto a técnica e julgamento da inspeção sanitária, mas também
de medidas de higiene, de controle bromatológico e de orientação
tecnológica. Em 1934,a Inspeção Federal dos Produtos de Origem Animal, já
amadurecida no exercício de sua missão, era dotada de novos regulamentos
específicos para carnes e derivados (Decreto 24.550/34)e para leite e
derivados (Decreto 24.549/34),disciplinando os procedimentos da inspeção e
os padrões físico-químicos, bromatológicos, sanitários e tecnológicos da
carne e do leite e seus derivados. Estes regulamentos estabeleciam bases
seguras e alicerçaram uma atividade que já granjeara, no Brasil e mesmo no
exterior, sólido conceito técnico-científico e moral e que já se constituía
num dos mais expressivos fatores do melhoramento do padrão de qualidade
sanitária e tecnológica da produção e das posturas técnicas do parque
industrial brasileiro do gênero.
Em 18 de Dezembro de 1950, surge a lei básica, Lei 1283/50,regulamentada
pelo Decreto 30.691,de 29 de Março de 1952.Este,por sua vez, aprovou o
Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal
(RIISPOA),que veio a ser revisto pelos Decretos 30.693/52 e 1.255/62 e mais,
contemporaneamente, pelos Decretos 1.236/94, 1812/96 e 2244/97.Estes três
últimos decretos foram resultados dos acordos multilaterais ocorridos no
âmbito do Mercosul.
A Lei 1283/50 e o RIISPOA, consagrando uma experiência bem sucedida dos
35 anos anteriores, consolidavam a legislação específica de produtos de
origem animal, porquanto, após rever, ampliar, atualizar e aperfeiçoar as
regulamentações isoladas da inspeção de carnes e da inspeção de leite,
reunificavam-nas e a elas englobavam as novas atividades da área:a do
pescado, de ovos e de mel e cera de abelhas.
É de se assinalar que, ao consolidar essa legislação, em termos
específicos de produtos de origem animal, no tocante a sua inspeção
higiênico-sanitária, o Brasil também consolidaria a sua determinação de
manter esses produtos destacados dos demais que integram a gama dos produtos
alimentícios.
De outra parte, a qualidade dos preceitos dessa regulamentação a par da
seriedade observada na sua aplicação, tem sido, indubitavelmente, poderoso
fator da irrestrita confiança, do prestígio e da crescente aceitação do
produto nacional no mercado externo. A legislação e o sistema brasileiro de
inspeção têm sido mesmo objeto de recomendação de organismos internacionais.
Sem dúvida, isto vem demonstrar o valor e a contemporaneidade dessa
legislação apesar de alguma justificável defasagem observável, por vezes, em
pormenores do seu detalhamento técnico, conseqüente ao dinamismo
científico-tecnológico que tem caracterizado o setor,e do sério vício quanto
à abrangência política, conferindo aos estados e municípios autonomia de
atuação sem qualquer vinculação ou respeito a um organismo superior. Neste
caso,se persistir o desinteresse das autoridades públicas, do Executivo e do
Legislativo, em equacionar esta grave distorção e injustiça, imperiosamente
exigir-se-á a intervenção do Ministério Público de forma mais contundente e
em todo o território nacional.
Finalmente, quanto aos diplomas legais que regeram, e ainda regem, as
atividades de inspeção sanitária, obrigatório se faz enfatizar que até
Dezembro de 1971,e desde -repetimos -1950,esteve em vigência a Lei 1.283,de
18 de Dezembro de 1950, que fixava a obrigatoriedade do exercício da
inspeção sanitária e industrial dos estabelecimentos de produtos de origem
animal.
Os Governos Federal, Estaduais e Municipais, como falamos acima,
dividiam autonomamente a responsabilidade de execução da lei: no comércio de
âmbito interestadual e internacional era competente para aplicá-la o Governo
Federal;no municipal as Prefeituras Municipais; no intermunicipal, os
Governos Estaduais. Contudo, sem qualquer conotação discriminatória e
anti-federativa, o Governo Federal foi inquestionavelmente o único a exercer
com eficiência a missão do cumprimento dos postulados e diretrizes inseridos
na citada lei e seu regulamento.
Os estados e os municípios não cumpriram ou cumpriram muito mal os
mandamentos daquela lei sanitária. Poucos deles, na verdade, estruturaram os
seus serviços específicos. E, quando fizeram, o seu desempenho foi muito
precário.
Esse comportamento, profundamente heterogêneo dos componentes do organismo
responsável pela sanidade dos produtos de origem animal, ensejou, podemos
dizer, em linha direta, o aparecimento e o desenvolvimento de
estabelecimentos de qualificação técnica igualmente heterogênea.
Com efeito, sob o controle do Governo Federal, formou-se uma indústria
selecionada de acordo com os padrões técnicos ditados pelo seu órgão
sanitário. De características verdadeiramente empresariais, esta indústria
com o passar dos anos evoluiu de tal forma que veio alcançar os melhores
padrões internacionais. O aproveitamento da matéria-prima e a qualidade da
produção atingiram níveis correspondentemente elevados, seja pela alta
qualificação técnica dos estabelecimentos, seja pela eficiência do controle
sanitário e tecnológico federal.
Infelizmente, sob a responsabilidade dos estados e municípios,
multiplicou-se, pela ausência e/ou fragilidade dos seus órgãos sanitários
específicos, uma vasta gama de numerosos estabelecimentos de baixíssimo
padrão técnico-higiênico. Trabalhava-se nas piores condições operacionais e
higiênicas e a produção irremediavelmente comprometida pela deficiência do
meio-ambiente e agravada pela nominalidade do indispensável controle oficial
era entregue liberalmente ao consumo público, expondo a população a
numerosos e sérios riscos.
Neles malbaratavam-se e relegavam-se ao desperdício preciosas
matérias-primas de alto valor biológico e econômico, como os sub-produtos
não-comestíveis , que, ainda, à falta do devido aproveitamento, acarretava a
poluição dos arredores, dos cursos d 'água e do próprio local de trabalho.
Diante de um controle sanitário meramente cartorial, as estatísticas de
produção se faziam comumente fraudadas ou inexistiam, dando margem a
vultosas sonegações tributárias, ensejando concorrência desleal e desigual à
indústria controlada.
Esse estado de coisas resultou na promulgação, em 1971,da Lei 5760, de
03 de Dezembro, que veio a ser popularizada, face o seu alcance público,
pelo nome de Lei da Federalização.
Sua implantação, criteriosa e gradativa, produziu, de pronto, uma série
de notáveis e comprovados resultados nas áreas sanitária, econômica, social
e fiscal. Num cotejo objetivo, é indiscutível que o mais relevante foi
obtido no campo sanitário, alvo principal da lei.Com a Federalização, a
população brasileira passou a consumir em 1977, 73,9%da carne bovina e
83,7%da carne suína inspecionadas. Dados dignos de qualquer país incluído no
rol dos humanamente desenvolvidos.
O programa da Federalização, de extraordinária amplitude, mas de
natureza restritiva (inúmeros estabelecimentos foram interditados) quanto às
suas exigências higiênicas e técnicas e de objetivos saneadores,
moralizadores, atingiu e contrariou interesses políticos (subalternos) e
situações econômicas (anacrônicas), sofrendo, por isso, como era natural,
críticas; enfrentou, portanto, ferrenhos opositores e se deparou com sérios
percalços.
Tendo em vista esses interesses contrariados e a exacerbação dessas
críticas, o processo passou por um grande hiato para, posteriormente, vir a
ser completamente encerrado pela revogação da lei que lhe dava amparo.
A Lei 7889,de 23 de novembro de 1989, devolveu aos Estados e Distrito
Federal, e também aos Municípios, a responsabilidade da inspeção sanitária
dos produtos de origem animal, permanecendo com o Governo Federal a
competência para a inspeção desses mesmos produtos quando comercializados
interestadual e internacionalmente.
Em razão desse novo diploma e da não ou inadequada estruturação dos serviços
estaduais e municipais específicos, hoje, em essência, a situação não difere
do "status quo" vigente antes da lei da federalização. E mais ainda com o
grau dos comprometimentos agravado, em detrimento do bom nome do país e da
sua economia, da segurança sanitária da população e dos esforços de
ampliação e modernização do parque industrial controlado (um dos mais
qualificados do mundo).
Menos lamentável, foi que a Lei 7889 não revogou a 1283/50,portanto o
seu regulamento, o vetusto RIISPOA, permanece vigindo, reafirmando a todo o
momento, a sua excelência no que tange aos seus fundamentos, caracterizados,
sobretudo, pela especificidade de controle independente dos demais
alimentos, obrigatoriedade da prévia e permanentemente inspeção e,o que é
muitíssimo importante, a preservação aos organismos oficiais do nobre mister
da execução da inspeção industrial e sanitária dos produtos de origem
animal.
Por oportuno, exige-nos as circunstâncias, a abordagem desses
fundamentos.
As particularidades dos produtos de origem animal obrigam o seu controle
prévio, nos próprios estabelecimentos processadores, e, numa boa parte
deles, de caráter rigorosamente permanente. Tal controle, por sua natureza
restritiva, revela-se uma atividade de caráter essencialmente oficial,
absolutamente indelegável.
Pelas suas próprias condições, os principais produtos, como a carne, o
leite e o pescado, só terão efetivamente as probabilidades de uma sanidade
garantida se forem objeto de atentos e pormenorizados exames, não só em
todas as fases do processamento industrial, como naquelas que imediatamente
o antecedem e sucedem. Isto, evidentemente, não implica na ausência de
responsabilidade por parte das firmas proprietárias ou arrendatários dos
estabelecimentos que, conseqüentemente, devem obrigar-se por lei e regras,
editadas pelo órgão oficial competente, a manterem um eficiente controle da
sua produção industrial (por que não introduzir aí sim - o sistema de
controle de qualidade conhecido como APPCC -Análise de perigos pontos
críticos de controle?).
Porquanto - é particularmente importante a ênfase -,somente com
semelhante procedimento soem ser normalmente constatado o real estado do
produto ou sumariamente eliminadas anormalidades sanitárias, mesmas as
ocasionais. Nessas oportunidades, que é dado circunstancialmente dispor do
conjunto de elementos indispensáveis para se chegar àquelas constatações.
A detecção dessas anormalidades não seria possível sem essas condições,
a não ser em certos casos, todavia de forma imprecisa e imperfeita.
A inspeção sanitária dos produtos de origem animal é matéria difícil e
complicada. No entanto, concentrando o nosso enfoque em apenas poucos
aspectos procuraremos, a seguir, evidenciar de forma prática o quanto é
importante o trinômio prévia permanente -oficial.
Como é sabido, os animais de açougue estão sujeitos a uma série de
patologias, muitas delas das mais graves, em grande número transmissíveis ao
homem pela ingestão ou manuseio das carnes e de outras partes do animal. São
as transmissíveis ao homem, as ditas zoonoses, hoje contadas em número
superior a 150;as demais, embora não transmissíveis ao consumidor por um
hospedeiro animal, podem lhe causar problemas de saúde (toxinfecções, por
exemplo), alteram a valor alimentício e a capacidade de conservação das
carnes e acarretam-lhe condições aparentes ou subjetivas de repugnância,
igualmente fatores de restrição e de rejeição.
Doenças e afecções, apenas para citar as mais comuns, como a tuberculose
ativa e a cisticercose (zoonoses), icterícias (carnes tóxicas e
repugnantes),doenças animais responsáveis por intoxicação alimentares
humanas, doença crônica respiratória das aves (carnes insuficientes e
repugnantes)e processos neoplásicos (carnes repugnantes e de efeito duvidoso
para a saúde humana),bem como outras da casuística sanitária rotineira nos
estabelecimentos de abate brasileiros, sob Inspeção Federal, respondem pelas
consideráveis rejeições de animais abatidos sob a citada Inspeção. Essas
doenças, sem a inspeção sanitária, dificilmente seriam detectadas e estariam
assim com livre trânsito, pondo em risco a saúde do consumidor.
Tais doenças só podem ser prática e objetivamente surpreendidas e
identificadas mediante os exames combinados "ante" e "post-mortem" do
animal, este último, o "post-mortem", no decorrer das operações do abate dos
animais na sala de matança, quando são minuciosa e conjugadamente
inspecionados víscera por víscera, órgão por órgão e carcaça por carcaça. É
só exclusivamente com os resultados das constatações, nesses exames,
executados por equipes especializadas de médicos-veterinários e auxiliares
técnicos oficiais, é que se tem a oportunidade, por sinais ditos
patognomônicos e lesões ou achados orgânicos, de firmar-se um diagnóstico e
um julgamento de caso por caso e dar-se logo o destino às carnes. À falta
desses exames, nos precisos momentos do processamento industrial, muitas
daquelas perigosas doenças e afecções, chegariam com facilidade ao
consumidor. E assim aconteceria, sem oferecerem sequer condições de
suspeita, quando no consumo, porque, muitas das vezes, já aí estariam
faltando, nas carnes, os elementos aparentes ou os indicadores da
anormalidade, alguns deles passíveis de serem deliberadamente, sem ou com
má-fé, eliminados.
Os procedimentos dos exames "ante" e "post mortem" constituem a rotina
clássica da inspeção de carnes, de prática universal e matéria compulsória
das legislações sanitárias e dos compêndios especializados sobre a sanidade
e a tecnologia das carnes e derivados. E falar em rotina de inspeção de
carnes é, obviamente, falar em inspeção permanente.
Igualmente, há de se destacar a irrecusável importância do controle
higiênico-sanitário, em caráter permanente, do leite. De fato, também o
leite é susceptível de transmitir ao consumidor, dentre outras doenças como
a tuberculose, brucelose, cólera, colibacilose, difteria, hepatite
infecciosa, leptospirose, listeriose, febres tifóide e paratifóide,
gastroenterites estafilocócicas e infecções estreptocócicas. Além disso,
está sujeito a fraudes, adulterações e a contaminações, estas últimas em razão do inadequado, as vezes inescrupuloso, tratamento que recebe, especialmente na sua obtenção e, também, nas fases de industrialização.
Em algumas regiões do país, as condições de captação do leite são particularmente deficientes pela falta de higiene e o empirismo, obrigando, necessariamente, nos estabelecimentos industriais, uma redobrada vigília sensorial e laboratorial na inspeção de plataforma.
Contudo, vale ressaltar, que para a melhoria da qualidade do leite de consumo, há extrema necessidade de uma conjugação de esforços dos demais órgãos e entidades ligados, direta e indiretamente, ao setor leiteiro, usando orientação técnico-higiênico-sanitária e apoio creditício ao produtor rural. Não será a atividade de inspeção, isoladamente, por mais eficaz e judiciosa, que garantirá ao leite as qualidades que lhe são inerentes.
Poderíamos continuar narrando, também, inúmeros casos de patologias, fraudes e adulterações, conotando-as com a obrigatoriedade da inspeção prévia, permanente e oficial, na área do pescado,do mel e demais produtos da colméia. No entanto, para não nos alongarmos, cabe-nos, somente, aduzir que, além da inspeção mandatória, mais do que nunca torna-se evidente,nesse campo dos produtos de origem animal, que a participação da área privada - a parceria tão decantada -, compulsoriamente, deve coadjuvar os processos de controle higiênico-sanitário adotando-se, se esta for a melhor opção, o sistema APPCC. Parece-nos que este foi o caminho escolhido pelos ilustres e brilhantes colegas que atuam no setor.
Voltando ao controle sanitário da carne, vale acrescentar que o Brasil pode se orgulhar de possuir um dos mais reconhecidos serviços de inspeção, monitorado por freqüentes visitas de missões veterinárias estrangeiras, e uma das mais sábias legislações, embora reconhecemos a necessidade de certa atualização.
Há a considerar, resumimos, que os produtos de origem animal são, em determinadas condições, verdadeiros meios de cultura ao desenvolvimento de germes carreados pelos agentes de contaminação, entre os quais, além daqueles responsáveis pela deterioração, podem se fazer presentes, também ,os patogênicos, como frisamos a pouco. Aliam-se ainda outros fatores que desafiam constantemente a acuidade da inspeção e requerem aperfeiçoamento técnico-científico permanente dos profissionais que nela labutam. São estes fatores (1) a própria composição dos referidos produtos, basicamente hídricoproteico-lipídica, sensível à ação fragmentadora e deterioradora de uma multiplicidade de enzimas autóctones (proteinases, lipases, hidrogenases, catalases, peroxidases,etc) e à atuação enzimática bacteriana,(2)o pH favorável à ação desses germes e enzimas e (3) mais modernamente a constatação dos resíduos químicos e biológicos que acidental ou propositalmente também ousam estar presentes nos produtos animais.
Aliás, são estas condições que fazem dos produtos de origem animal particularmente diferentes e, sobretudo, mais exigentes do ponto de vista higiênico-sanitário. Este entendimento é generalizado, universal.
Para reforçar, de vez, esta assertiva, bastaria lembrar os nefastos efeitos da cisticercose cerebral humana, conforme atestam os nossos institutos especializados.
Ora, tudo que procuramos aqui explicitar, referente às ações práticas e procedimentos higiênicos sanitários, técnicos e científicos, trata-se ,única e exclusivamente, de Saúde Pública; logo, por via de conseqüência, é tarefa, obrigação e dever do governo, o que acontece em qualquer país do mundo, quer nos em desenvolvimento, quer, mormente, nos desenvolvidos.
Esta afirmação, é bom que esclareçamos, não envolve quaisquer dúvidas quanto ao desempenho profissional e à conduta ética dos médicos veterinários que operam na área privada, na produção industrial, no controle de qualidade, em consultoria e na assistência técnica, como autônomos ou vinculados a empresas. Mas, o que não poderia ser diferente, esta matéria encontra-se perfeitamente definida na Constituição Federal, logicamente por ser a saúde um dos mais lídimos direitos do cidadão, como de competência do Estado.
Quando nos referimos aos princípios do SIF (Serviço de Inspeção Federal),não estamos defendendo uma postura corporativista e sim procuramos desinteressadamente defender uma atividade que tem na saúde pública o seu principal objeto que, indubitavelmente, induz a necessidade, intrínseca, do exercício do poder de polícia.
O Poder de Polícia Sanitária é intransferível e indelegável a particulares. Sem poder de polícia não se realiza, não se executa a atividade administrativa em um órgão fiscal do Poder Público.
Transferir por lei, por convênios, por credenciamento, ou por quaisquer atos legislativos ou administrativos, a particulares, atividades que são inerentes à natureza do Poder Público, além de afronta irreparável e inadmissível aos mandamentos legais e constitucionais é subverter a estrutura natural do Estado.
Romper a estrutura do Estado, assegurada em princípios e dispositivos constitucionais, com eventual transmutação da inspeção e fiscalização industrial e sanitária dos produtos de origem animal à área privada, significará simplesmente a sua extinção, advindo, como conseqüência imediata e efeitos tácitos e reais, o caos na saúde pública.
Cumpre-nos, destarte, esclarecer que os comentários supra procuraram esclarecer a imprescindibilidade da inspeção prévia, permanente e oficial, enaltecendo a história da instituição federal fiscalizadora e os princípios e fundamentos da legislação vigorante, suas disposições técnicas e cientificas, não estando inserida, nem subentendida, nenhuma apologia ao Órgão naquilo que ele possui de erros estratégicos, estruturais e administrativos. Também, não exime de críticas a Lei 1.283/50,ratificada pela Lei 7.889/89, no que diz respeito à distribuição de competências às diferentes esferas do Poder (federal, estadual e municipal),autonomamente, sem nenhuma hierarquização ou interdependência.
São estas as considerações que nós, Jessy Antunes Guimarães e José Christovam Santos, médicos veterinários, inspetores e tecnologistas de produtos de origem animal, egressos do Serviço de Inspeção Federal, trabalhando, hoje, na iniciativa privada, como consultores, achamos de inadiável oportunidade e do nosso indeclinável dever de tecê-las. Ao fazermos jamais deixamos de nos preocupar que, acima de tudo, fossem fidedignas, sinceras e judiciosas com o intuito de colaborar e deixar claro que o Estado, mesmo o dito moderno, deve possuir regras cristalinas, precisas, para cumprir seu papel que, por óbvio, é de execução apenas dele, evidentemente, quando o sentido for o interesse público. Mudar somente por mudar, por ser necessidade, está muito em voga. Rejeitar a história de uma instituição para não receber o rótulo de tradicional não é correto, muito menos inteligente. Antes, preferimos ficar com o pensador Jorge Luiz Borges para quem "as novidades importam menos que a verdade".
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